terça-feira, 16 de novembro de 2010

Há?



                                                     Nicoleta Ceccoli
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Não era raiva. Tampouco tristeza. Havia calma disfarçada de incerteza.
Não era choro, nem riso. Talvez uma ironia misturada com humor.
Não era lamento nem estranhamento, muito menos dor.
Talvez fosse  indiferença calculada. Mas com certeza era repúdio àquela estrada.

Ficou ali ajoelhada no chão, remexendo no baú à procura dos livros, à procura das palavras capazes de pintar com precisão  um quadro com seus sentimentos. Palavras  que pudessem sintetizar como os últimos fatos haviam lhe tocado.

Só havia encontrado o desencontro.

Folheou Clarice,  Leminski, Caio Fernando de Abreu, e nada.
Abriu as páginas de Veríssimo, Shakespeare, Nelson Rodrigues, e nada.
Procurou em Moliére, Racine, Sófocles e todas lhe pareciam distantes e infundadas.
Leu Kafka, Paulo Coelho, Chico Buarque, Niechtze e nenhuma conseguia exprimir.

As palavras só encontraram refúgio no inexistir.

Silêncio...

No silêncio é que foi capaz de refletir sobre as cenas desconexas que se desenrolaram igual a um filme dono de uma velocidade incompreensível.

Assistia perplexa.

Multidões vagavam sem sentido. Buscavam algo maior que si mesmas, algo como o amor ou outro sinônimo que as fizessem sentir que em suas vidas havia um sentido elevado. Buscavam algo sublime como o sonho da felicidade.

Mas ao contrário da máxima verdade, a vaidade e a luxúria vagavam  por suas bocas e corpos; a busca projetava-se em caminhos perigosos e contraditórios.

Uma figura doce e genuína chorava ao canto, vítima de sua própria capacidade de doar-se. Outras figuras a consolavam. Existe consolo para tamanho desencontro egoísta e egoíco? Existe consolo para  tamanho desamor? Existe consolo para a extrema superficialidade? Existe consolo para as dores provocadas por tantos corações áridos e ocos?

A lágrima que escorria só desejava derramar de felicidade. Tão bom transbordar em sinceridade! Tão bom transbordar em respeito, afeto, troca! E assim não há mais nada que importa, nem x, nem y, nem xy, nem equação complexa ou nem tanto, que vale o poder de todas as possibilidades de amor, de todas as formas de amar!

Ficou ali... a cantar baixinho, reflexiva, procurando entre os autores alguém que pudesse exprimir a complexidade da superficialidade.

Não achou.

Cansou-se e já ia embora muda, com o olhar cheio de nuvens desejosas de sóis, quando viu perdido num canto, perto da pilha de lençóis, um livro de Drummond.

Abriu a página ao léu e se surpreendeu com o que leu. Encontrou as palavras exatas que definiam suas impressões. Era um poema chamado Quadrilha.

Dizia assim:

"João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém."

E todos viveram infelizes para sempre, até aprenderem o verdadeiro significado em atos da palavra mais importante de todas as palavras. A palavra que nos faz sentir vivos, que nos impulsiona, que é capaz de transformar e regenerar.
A palavra que todos buscamos, mas egoístas que somos, vivemos a desperdiçar.

Amor...

Amar...

Há?

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