domingo, 7 de dezembro de 2014

Guerra santa




A despeito de todas as batalhas e medos que travamos diariamente em nosso íntimo, a única certeza imediata que se pode ter, é que o diálogo sincero, a confiança e a compreensão são portas para a felicidade. Não há amor que cresça longe da fé, assim como não haverá concordância entre dois corações, se a distância entre o que tua boca profere e tuas ações, for maior que a coerência. Só vence a guerra contra suas imperfeições, quem possui a coragem de se transgredir e buscar hoje, ser melhor que ontem. 

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Grafite- Os gêmeos


Emoticon smile

segunda-feira, 1 de abril de 2013

É tempestade, eu sei.

Monet
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É tempestade, eu sei. 
Sinto os pingos grossos no meu rosto. Vejo o horizonte coberto de nuvens pesadas, despejando sua fúria nos nossos ombros. Ouço o som dos trovões vociferando contra o céu e os raios rasgando os sonhos, vento soprando forte, rodopiando nosso coração.

É tempestade, eu sei.
Porque dá medo, vontade de se esconder em algum lugar, de procurar abrigo, de recostar no seu peito e ali ficar até tudo passar. Encontrar o melhor refúgio, no lugar mais seguro, nem que seja na própria razão e silêncio.


É tempestade, eu sei.
Pelo número de portas e janelas fechadas das inúmeras casas, por tanta água que escorre pelas ruas, alguns porta retratos e objetos de valor sentimental sendo levados pela enxurrada. Pelas crianças que abandonaram suas pipas em alguma esquina e correram descalças buscando suas mãe.

É tempestade, eu sei.
Mas então por quê então, eu vejo esse raio de sol batendo na minha janela? E esse pássaro azul cantando para eu acordar?
E este sorriso que se abre de um lado enquanto a lágrima escorre do outro?
E esta ausência que se transforma em presença?

É tempestade, eu sei.
E me dá licença... porque vou misturar as minhas lágrimas com a chuva lá fora. Vou brincar com as poças, admirar as árvores, que apesar do vento forte, permanecem firmes e graciosas.

É tempestade, eu sei.
E o seu verdadeiro valor só sabe, quem já foi capaz de olhar o céu azul e límpido e agradecer às nuvens que um dia abriram caminho para o sol voltar a brilhar...

Majestosamente.




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segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O essencial é invisível aos olhos


Rodin
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- "Mas como assim, solteira? Tão bonita, inteligente, bem resolvida, espirituosa... solteira? Não consigo entender!"

É fácil, eu explico.

Amor, não se encontra em liquidação. Muito menos em loja de grife. Não se escolhe uma pessoa para viver ao seu lado como se vai ao supermercado e procura dentre tantas marcas, o seu shampoo preferido. 
Aliás, amor não é escolha, é destino. Envolve afinidade, sintonia... almas que são atraídas muito além do desejo físico e que se reencontram, se reconhecem, são recíprocas uma à outra.
Amor enaltece nossas melhoras qualidades, nos torna melhores do que somos,  faz com que tenhamos a enorme disposição de progredir cada dia. 
Eu posso me encantar por várias pessoas, sentir vontade de estar com elas, mas ainda assim, se não for amor, os laços não serão tão formosos e logo se desfarão. 

E quando se aprende a regar suas próprias flores e a se deixar sorrir por elas, já não se sente a necessidade doentia de estar com alguém por estar...

O que é mais engraçado, é que algumas pessoas não entendem como posso estar tão feliz estando sozinha. Sozinha? Acho que eu, minha família, amigos, trabalho, sonhos e projetos já me fazem companhia suficiente e preenchem toda a minha existência. 

Digo tudo isso, com a maturidade de quem já não acredita mais em contos de fadas e príncipes no cavalo branco. Digo isso, com a tranquilidade de quem acredita que amor se constrói com o tempo, e que a paixão é o pontapé inicial, mas que acredita em sincronicidade e em uma força maior além do que nossos olhos podem enxergar. 

Como diria Exupéry: "Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos."

domingo, 26 de agosto de 2012

O ápice e a pedra


 É preciso saber deixar ir... e vir.

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Assim como o movimento das marés, a onda que vai, a onda que vem, embala desencontros e reencontros. 

De onde vem o ápice do desejo? Como se manifesta o epicentro do medo?

Talvez, jamais compreenda. 

No entanto, se  pareço vaga sob os meus meio sorrisos e olhares, te respondo que, na verdade, meu coração é quem vagueia por entre os pequenos espaços e as infinitas possibilidades. E desta estrada, já não quero nada. Só meia dúzia de passos, antes de chegar naquela grande pedra, mais adiante. 
E mesmo que o descaso ou a falta de acaso, norteiem a direção, que o gosto permaneça. Cresça. Que ele reverbere, estique e vá ao céu: da boca,  do desejo e do olhar.
E se caso, cedo ou tarde me cansar, que eu não desista.

Que a poesia resista. 
Que o sonho me embriague.
Que a razão cochile e acorde sonolenta.

Porque estou voltando. 
Porque ainda é cedo.
Porque amanheceu. 
Porque nunca é tarde demais para ser feliz, hoje. Só hoje. 
O amanhã? 
Ele sequer existe, porquê então, persiste?

terça-feira, 10 de julho de 2012

Suspensão




Claude Monet
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Acho mágico- a fresta de luz adentrando pela janela, apenas um feixe dourado iluminando... a poeira que vai dançando no ar, rodopiando feliz, naquele infinito segundo, que antevê o vento da tarde e a noite estrelada. 
É exatamente assim que me sinto: dançando sob o feixe de luz. 
Como se um botão fosse acionado e o tempo pausado, a beleza das horas vindouras são sopradas em minha face; aquelas, que guardam os segredos, sons e sonatas de tudo que estou prestes a viver,  suspensas entre o hoje e o amanhã, entre o agora e depois.

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Entre: hoje e amanhã. Agora e depois.
Sempre.

domingo, 1 de julho de 2012

Nuvens


     As nuvens, sempre as nuvens, chegaram carregadas desta vez. Acinzentaram o céu, nublaram o horizonte, se concentraram sob sua cabeça. Impotente, contentou-se a esperar. 
        Fitou o céu, à espera de chuva, ali, da janela de sua casa, onde estava protegida. "Em breve, -sua voz interior lhe disse- deverá sair, e se molhar. A vida não espera o guarda-chuva estar à mão, os pingos caírem antes de chegar no carro, as folhas das árvores serem varridas, antes da enxurrada. A vida não resguarda os acontecimentos, nem mesmo quando você deseja se resguardar deles. A vida lhe peita o tempo todo, exige que esteja sempre de peito aberto, pronto para rasgar as próprias vestes e verbos e te confronta para que dê mais do que está acostumado a dar. Viver, exige que saia de vez em quando, dos casulos que vão sendo criados em nome da segurança e corra riscos. Se prefere ficar fitando a chuva ao invés de se banhar nela, será sempre refém de si própria e  dona de uma secura sem volta."

Vincent Van Gogh
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     A chuva haveria de chegar. Talvez, uma enorme tempestade ou, apenas um presságio em forma de chuvisco. Mas, enquanto observava o movimento da janela, ninava em seus braços uma tranquilidade lânguida. A doçura deste momento, à beira dos acontecimentos, se confundia com o açúcar do chá que bebericava. A doçura de um não com gosto de sim, do talvez, do será, do acaso e descaso, das possibilidades faceiras e das horas que se esvaíam com rapidez. 

    As escolhas, sempre as escolhas, chegaram carregadas desta vez. Acinzentaram as dúvidas, nublaram as respostas, se concentraram sob sua cabeça. Impotente, contentou-se a esperar.

   Fitou a interrogação, à espera da resposta, ali, da janela do seu coração, onde estava protegida. "Em breve, -sua voz interior lhe disse- deverá decidir, e viver."

domingo, 18 de março de 2012

Sussurro

Henri Matisse
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Uma trilha repleta de complexos, estranhos e fascinantes desafios, encontros e desencontros. É... a vida, não cabe em mim. Transborda por todas as contradições, se espalha por todas as deliciosas imperfeições, passeia ao redor dos milhares de sorrisos pronunciados para meia dúzia de lágrimas caídas e sussura diariamente ao meu ouvido: "Coma-me mas não me engula de pronto. Há o suficiente para se deliciar intensamente, porém com a serenidade genuinamente típica dos dias ensolarados de uma manhã de outono."

quinta-feira, 15 de março de 2012

Interstícios


Vladimir Kush
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Recostadas sob sutilezas, descansam as palavras. Hoje recatadas, amanhã, talvez deem o ar da graça. Saltitantes pularão, do coração para os olhos, porque jamais a boca permitirá,  a mesma boca que entrega o beijo... jamais da boca sairão.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Digestão




Marc Chagall
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A gente vai engolindo respostas mal explicadas pela goela abaixo e digerindo a perda pouco mastigada, com lentidão.
Arrota-se vez em quando, o desencontro, a face escura do amor que não se ofertou, a poesia empoeirada pelo esquecimento e a falta de sentido.
Deixa-se de lado, palavras que poderiam construir, gestos capazes de unir  início, meio e  fim, o olhar brilhante que só a verdade e sinceridade podem emitir.
Por muito ou pouco medo, desperdiçamos o mel e nos contentamos com o amargo dos dias pálidos. Deixamos para trás sem hesitar, tanto do muito que poderíamos compartilhar, os sorrisos e frestas repletos de luz.
É mais fácil desistir, deixar ir... do que ficar e convidar para entrar.

Em tempos líquidos, amores líquidos!
 
A verdade é, que pouco ou nada adianta especular; devemos sempre olhar para a frente com o coração sereno e sentir a certeza, de que o melhor virá.

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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Entreaberto




Marc Chagall
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Algo habita entre lapsos e o meu sorriso, entre cansaço e a pressa, entre presenças e ausência.
Entre a ansiedade e serenidade, entre a poesia e a correria, entre tantos prazos e meus passos.
Entre temporal e chuvisco, entre canções e o incerto...
Algo...
Entre.
Entreaberto.
 
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sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Espelho, espelho meu


Nicoleta Ceccoli
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Se sorrio, é porque sinto flores desabrocharem lentamente em meu coração.
Espelho, espelho meu, me diz...  há outro sorriso além do meu?
Medo, medo meu, me diz... consegue ser mais forte do que eu?


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quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Fuga

Nicoleta Ceccoli
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Avistei uma moça correndo na rua, em direção contrária a minha. Estava esbaforida, dona de uma urgência e susto capaz de trazer à tona em meu baú de memórias, uma lembrança em particular.
Curiosa, gritei pela janela do carro:
-Para onde vai, com tanta pressa assim? Posso ajudá-la?

Escutei ao longe sua resposta, pois ela não parou para me responder:

-Corro, porque fujo do amor.


Calei-me. 
O  longo trajeto passou rápido e nostálgico, embebido de reflexões. 
Alguns fogem a pé, outros de transporte público.
Outros corriam do amor, fugindo do inexorável, de carro... como eu.

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sexta-feira, 15 de julho de 2011

Alguém do outro lado da linha, sorri.

Edgar Degas
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Parece que, do dia para a noite, uma muralha de pedras foi erguida dentro de si. Não sabia bem ao certo como foi parar ali.
Talvez, tivesse sido construída lentamente enquanto estava distraída, entre os afazeres e labutas cotidianas, mas de qualquer maneira, achava-a alta e extensa demais para ser finalizada, sem que ela tenha sequer percebido.
Este fato intrigava-a. Como? Quando? Por quê? Enquanto perguntava a si mesma, nervosamente, beliscava um cookie e folheava um livro. Bebericou mais um pouco e sua xícara de chá e arfou levemente ao perceber que estava mais concentrada em seus pensamentos, do que entretida com o livro fundamentalmente importante para seu estudo.

Voltou ao passado... Lembrou de uma parte de si que não mais existia ou havia sido banalmente esquecida. Como espectadora de um filme mudo, enxergou seus feitos heróicos, trágicos, melodramáticos e claro, felizes. Uma felicidade burra, ausente de uma consciência plena e expandida, mas ainda sim, um sentimento vivo em um grau elevado de satisfação. Apesar de tudo, não sentia saudade. Ou se sentiu, deixou escondido e sujeito à poeira, no canto da nostalgia do que não mais fazia sentido.

Foi despindo-se daquelas camadas, feito cobra que vai trocando de pele de tempos em tempos. Tanta lágrima, tanto sofrimento imbecilizado foi lhe arrancando abruptamente os sons, os anseios, os poemas que escrevia nos varais de seus sonhos.
Seus olhos marejaram, diate  desta simples lembrança do que viveu. Ela sabia que, em seu âmago, no meio de toda aquela ventania intempestuosa que a governava e apontava-lhe a total falta de direção, ainda restava toda a pureza e inocência, capaz de lhe conferir toda a beleza de mil luas e o brilho de mil sóis.
Dentro de si, residia o silêncio e anseio de noites estreladas.
Perdida em seus pensamentos, seu corpo vibrou em um leve espasmo, ao ouvir o telefone tocar, arrancando-lhe dos devaneios de outra dimensão, entre passado e presente. Olhou estagnada para o objeto à sua frente; preguiça ou medo de atender? Atendeu.

 -Alô?
Ouviu o som de alguém sorrindo do outro lado da linha.

-Alô? – repetiu, impaciente.

Outro barulho de sorriso.

Irritada, desligou o telefone. A partir daquele instante, o som do barulho do sorriso de alguém que não sabia quem era, ficou reverberando, soando insistentemente dentro de si, caçoando de seu silêncio.
Inconformada com a tamanha invasão que lhe acometeu, ligou a televisão e perseguiu todos os canais em busca de algum refúgio, alguma atração capaz de lhe conferir esquecimento ou alívio. Mas não... O som do sorriso continuava a incomodando e a irritava mais que barulho de giz arranhando a lousa.
Já não sabia o que estava lhe acontecendo, mas estava acontecendo algo! Concluiu temerosa, que não era qualquer coisa, e sim, algo extremamente significativo, irritantemente significativo! Quem era ao telefone e porque sorria? Porque ligou justamente para o seu telefone? O que queria dizer aquele som de boca se abrindo em um sorriso?
Quanto mais pensava, mais mordia os lábios, mais tentava em vão se distrair. E a irritação que a fazia morder os lábios, cresceu. Produziu coceira em seu corpo. Ela começou a se coçar, sem deixar o movimento de apertar os dentes contra os lábios. E a coceira foi aumentando, e junto dela uma inquietação, uma raiva, uma inconformação tamanha, que quando menos percebeu, estava no chão da sala, se esfolando no chão, se arranhando, puxando seus cabelos e girando sobre seu corpo.

O telefone voltou a tocar e finalmente parou com aquele colapso tresloucado. Seus olhos estalados fitavam o aparelho e algo dentro de si, lhe repetia:

-Não atenda, é alguém querendo sorrir para você.

Algo dentro de si desejava atender o telefone, sorrir também e rindo perguntar docemente:

 -Quem está aí? Quem é você, que sorri para mim?

Mas limitou-se a olhar o telefone. Não ousou esboçar mais nenhuma reação. Ficou ali, inerte, sentindo seu corpo no piso gelado, sentindo seus olhos esbugalhados, mas já não conseguia se mexer ou simplesmente não queria se mexer. A sensação que tinha, era que tudo lhe doeria, dos pés a cabeça, se ousasse sair dali.
 Adormeceu muito tempo depois. O cansaço venceu a inércia e ela finalmente, repousou. Transportou-se para o mundo dos sonhos, que seria mais gentil, do que esta realidade vil, transbordando intrusos e caçoando de seus muros.

Dormiu, para nunca mais querer acordar.



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domingo, 5 de junho de 2011

Adormecência

Nicoleta Ceccoli
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Os dias correm...

Escorrem feito grãos de areia por entre os dedos.
Quase não se sente...
Nem o tempo, nem o dia e a noite.
Muito menos, o pulsar.
Onde estará?

Talvez se encontre por entre os corpos cansados sacolejando no ônibus cheio.
Por entre os sorrisos amarelos escondidos sob feições apressadas.
Entre as tantas tarefas que se acumulam junto ao sono, ao canto adormecido, entre o frio que penetra na roupa...

O pulsar encontra-se tímido, tão recolhido que quase não se ouve, quase não se percebe.
Espera um resgate heróico, um brado retumbante, um eco, ou então, uma brisa suave para lhe acordar.



Morrer, não havia morrido.
É como se houvesse adormecido em um sono profundo, quase um hibernar.
Se já não sentia palpitar o peito, boca e a seresta do seu coração sem festa, gentilmente sentiu os olhos desviarem.

Seria o inverno, essa gélida estação a congelar sonhos?
Ou cansaço, a desistência?
Talvez fosse amadurecência, um leve e calmo aquietar.
Aniquilou de talvez em talvez, as antigas indagações, as pulsantes inquietações.
Ali dentro, jazia silêncio...e ainda sim, no breu da falta de respostas, encontrou a paz.

Sorriu em meio ao adormecer da alma.

domingo, 24 de abril de 2011

Quimera

Nicoleta Ceccoli

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Um sorriso nunca deve ser perdido pela quimera de tentar fazer do instante uma flor de primavera.
Ainda sim, valeu... pela beleza das flores que brotaram no desejo de ser feliz.
E o que é a felicidade, senão o praticar do verbo, experienciar?

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Desaguar

               Obra “Água” de Raquel Kogan, Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti
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Nos acostumamos a esconder debaixo do sorriso, feito poeira que se varre para debaixo do tapete, as dores de todos os dias; flores murchas e sem perfume.

Mas há um dia em que as  nuvens encobrem os olhos e a chuva cai em forma de lágrimas. Vez em quando é preciso chover, mesmo nos corações mais fertéis.
Para que a água leve, lave, limpe.

E eu...mestre de disfarces sob belas palavras prontas, no resguardo de meus sonhos infinitos, encontro lá no fundo, a rendição para qualquer trilha não viviva.  Um filme que jamais vira película, apenas sobrevoa a mente de seu cineasta. Sem aplausos, sem bilheteria, sem reproduções em Ddv.

Assisto passiva e impassível esse conjunto de desenhos de cenas irreais. Coleciono desencontros que ficam guardado na caixa do pranto.

Algo me diz para que eu resguarde as tristezas no beco escuro e sem número.

Mas só por hoje, permito-me desaguar.


Amanhã, a lágrima estará em cada pétala feito orvalho do amanhecer... e poderei ver com olhos enxutos o jardim florescer.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Âmago

Van Gogh
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Adormeceu, olhando para o céu e contando estrelas, até cansar. Acreditou por um instante, naquele sereno momento antes de fechar os olhos, que a constelação acima de sua cabeça era maior que todos os seus sonhos.
Foi na profunda viagem ao âmago de seu inconsciente que descobriu: seus sonhos  não só eram maiores que a constelação, mas sim maiores, que todo o universo.

Acordou sorrindo.
O dia estava lindo, à espera da melhor parte que poderia dar de si, para si e para a vida.

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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A vida é assim...começo, meio. Fim.

Van Gogh
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Vez em quando, entre uma e outra sacolejada da vida, deparo-me com uma peneira em minhas mãos.

Crio certa resistência em iniciar o movimento que define sua finalidade, afinal há tantos pedregulhos que se confundem com pepitas de ouro, pois cintilam levemente sobre a água.

Mas meu coração sabe... e por mais que hora ou outra tente se enganar, ele possui as chaves dos portais de todas as indagações. É na lágrima, é no sorriso, é no silêncio que crio, que as respostas vão criando formas. Saltam coloridas, como água que vai pingando no papel mágico e as letras se descortinam aos meus olhos, revelando os novos passos, os caminhos que meus pés irão traçar.

Não se deixe enganar por falsos pergaminhos que aparecem no caminho. As melhores respostas estão na bússola do seu coração.

E já havia tempo que me era apontado outra direção...cega tateei pelo escuro à procura de um feixe de luz, uma solução, o meio termo que permeia a flexibilidade tão necessária para a leveza.

Mas ledo engano de minha parte. Quando o coração dita os rumos, não há o que revidar.

Vez em quando, é necessário. Dói, encontra-se resistência; todo o ato de desvincular-se traz um sentimento incômodo de impermanência.

Mas peneirar é preciso. Hábitos, pensamentos, pessoas, situações, medos e qualquer significado que possa trazer esgotamento ou aquele velho e conhecido comodismo.

Separemos as pedras preciosas de pedregulhos, sem nos esquecer que muitas vezes são estes nos fazem crescer, pois nos engrandecemos com as experiências. Mas, jamais esqueçamos que nossa felicidade é composta da nosso arbítrio e a capacidade de escolher somente o que nos faz cantar de alegria.

E como dar adeus, sem pronunciar a palavra aos quatro cantos? Há despedidas que são silenciosas. São fruto da ausência de gestos e significados. Vivem no abismo da falta de sentido, na repetição banal de hábitos que já não mais se encaixam no todo.

E se não faz mais sentido, jaz aí a morte natural, o adeus e o renascimento de um novo momento.


Se precisa chorar em frente ao túmulo e depositar suas flores, não te lamentes trazendo um epitáfio arrependido.

Sorria.

O sorriso da consciência tranquila de quem viveu intensamente tudo que poderia se viver e algum dia no entardecer, despediu-se silenciosamente.

A vida é assim... começo, meio.

Fim.

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Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.


Fernando Pessoa

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Para onde vai o grito dos que choram?



Seria apenas mais uma manchete de jornal, assim como as tantas que ecoam nas vozes dos jornalistas que nem nos chocam ou indignam como deveria, já que a freqüência é algoz banalizadora de qualquer compadecimento.



Seria apenas mais uma manchete de jornal, uma tragédia familiar marcada pela entrada fatal de um inimigo público perverso e oculto, que destrói sonhos, arranca a humanidade, despedaça a vida. A “droga” mais pesada e sádica é a “droga” da ruína familiar.

Seria apenas uma manchete de jornal... se eu não tivesse diante de seu caixão prometido não deixar essa história em vão, de perpetuar seu nome como espada que luta e implora por paz.

Se eu não tivesse visto seu rosto sem vida, coberto de tantas flores contrapondo-se àquela feição serelepe e entediada que apresentava todos os dias pela manhã.

Para muitos, apenas uma notícia de assassinato. Para mim, a perda de um aluno. Para os que choram, a falta total de consolo.

Nestes dias em que muito ou quase tudo parece perder o sentido, me pergunto, retorço minhas entranhas em perguntas sem resposta:

-Para onde vai o grito dos que choram?

-Onde mora o eco oco do absurdo?

-Qual a extensão deste desamor que paira como nuvem pesada sobre nossas cabeças?

-Há cura para o mal, que de tão normal, tornou-se banal?

Ali, diante de seu caixão, Mateus, todos rezaram uma oração. As palavras pronunciavam que as respostas estavam guardadas no templo de Deus. Que somente Ele, e somente o tempo, o senhor da cura e dos milagres, guardavam as respostas.

E que a nós cabia aceitar.

Aceitar sim. Se calar, jamais!

A boca que cala, consente. Não podemos deixar que o nosso grito se perca na imensidão dos horrores. Que ele soe por todos os cantos, que ele perturbe os vizinhos, a cidade inteira, dos mendigos aos milionários, que acenda as luzes, que apague os fogões, que todos saiam à janela e presenciem todas as vozes gritando NÃO!

Alguém emocionado disse, por debaixo da torrente de águas, que ninguém estava ali naquele momento por coincidência. Que haveríamos de absorver algo de importante daquele momento. Eu, levada ali por um “acaso”, chorei. Por ti, querido, tão jovem, tão cheio de sopro de vida, sendo esvaziado de maneira tão enlouquecida e cruel. Por mim, ali levada para absorver mais um aprendizado de vida, para acordar um erro permanente e adormecido. Por todos nós, que nos perdemos em pequenezas cotidianas, que reclamamos do pouco ou quase inexistente problema que possa nos perturbar, que choramos sem fé, que olhamos ao redor, mas não conseguimos enxergar com o coração e alma.

De tudo, daquela tarde tão atípica e cinzenta, ficou fixado em minha alma as palavras de sua bisavó ditas em meio a tanta dor; dor esta que jamais a minha mão colada à dela poderia consolar...palavras que referiam-se aos algozes de sua morte:

-Se não se aprende pelo amor, se aprende pela dor.

Que o amor reine em nossas ações. Que a boca jamais se cale, quando quem grita é a paz implorando voz em nossos corações.

Amém milhões de vezes.

Por Mateus, por mim, por todos nós, por todos aqueles que já não estão mais conosco, vítimas do absurdo...

Amém.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Há?



                                                     Nicoleta Ceccoli
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Não era raiva. Tampouco tristeza. Havia calma disfarçada de incerteza.
Não era choro, nem riso. Talvez uma ironia misturada com humor.
Não era lamento nem estranhamento, muito menos dor.
Talvez fosse  indiferença calculada. Mas com certeza era repúdio àquela estrada.

Ficou ali ajoelhada no chão, remexendo no baú à procura dos livros, à procura das palavras capazes de pintar com precisão  um quadro com seus sentimentos. Palavras  que pudessem sintetizar como os últimos fatos haviam lhe tocado.

Só havia encontrado o desencontro.

Folheou Clarice,  Leminski, Caio Fernando de Abreu, e nada.
Abriu as páginas de Veríssimo, Shakespeare, Nelson Rodrigues, e nada.
Procurou em Moliére, Racine, Sófocles e todas lhe pareciam distantes e infundadas.
Leu Kafka, Paulo Coelho, Chico Buarque, Niechtze e nenhuma conseguia exprimir.

As palavras só encontraram refúgio no inexistir.

Silêncio...

No silêncio é que foi capaz de refletir sobre as cenas desconexas que se desenrolaram igual a um filme dono de uma velocidade incompreensível.

Assistia perplexa.

Multidões vagavam sem sentido. Buscavam algo maior que si mesmas, algo como o amor ou outro sinônimo que as fizessem sentir que em suas vidas havia um sentido elevado. Buscavam algo sublime como o sonho da felicidade.

Mas ao contrário da máxima verdade, a vaidade e a luxúria vagavam  por suas bocas e corpos; a busca projetava-se em caminhos perigosos e contraditórios.

Uma figura doce e genuína chorava ao canto, vítima de sua própria capacidade de doar-se. Outras figuras a consolavam. Existe consolo para tamanho desencontro egoísta e egoíco? Existe consolo para  tamanho desamor? Existe consolo para a extrema superficialidade? Existe consolo para as dores provocadas por tantos corações áridos e ocos?

A lágrima que escorria só desejava derramar de felicidade. Tão bom transbordar em sinceridade! Tão bom transbordar em respeito, afeto, troca! E assim não há mais nada que importa, nem x, nem y, nem xy, nem equação complexa ou nem tanto, que vale o poder de todas as possibilidades de amor, de todas as formas de amar!

Ficou ali... a cantar baixinho, reflexiva, procurando entre os autores alguém que pudesse exprimir a complexidade da superficialidade.

Não achou.

Cansou-se e já ia embora muda, com o olhar cheio de nuvens desejosas de sóis, quando viu perdido num canto, perto da pilha de lençóis, um livro de Drummond.

Abriu a página ao léu e se surpreendeu com o que leu. Encontrou as palavras exatas que definiam suas impressões. Era um poema chamado Quadrilha.

Dizia assim:

"João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém."

E todos viveram infelizes para sempre, até aprenderem o verdadeiro significado em atos da palavra mais importante de todas as palavras. A palavra que nos faz sentir vivos, que nos impulsiona, que é capaz de transformar e regenerar.
A palavra que todos buscamos, mas egoístas que somos, vivemos a desperdiçar.

Amor...

Amar...

Há?

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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Esquina da contramão

Nicoletta Ceccoli
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Dias se passam e tudo cai no esquecimento, até que um complexo beijo...

Talvez eu esteja como naquele sonho. Escondida debaixo da cama, esperando ser flagrada ou esquecida. À espera de qualquer coisa que anestesie o inexistir. Qualquer coisa que alivie a culpa. Qualquer coisa que me faça sentir viva.

E o grito assustado? E a dor causada? E a redenção de onde virá?

E para onde irá a interrogação que não cansa de se repetir, zombando das minhas sempre ansiosas reticências?

E a boca que se cala e caminha inevitavelmente para a solidão?

Não me importaria de não sermos mais que momentos fugidios de nosso desejo, se eu pudesse por apenas um segundo, subir no arranha céu da sua mente e passear nas suas nuvens.


Estou rodeada de amarras. As minhas, as suas, a de tantos. Farrapos rasgando versos ao meio, sonhos se perdendo na imensidão dos nãos, poeira voando para o montante das saudades do que nunca existiu.

Talvez seja essa a missão. Partir-me ao meio, me fragmentar, ser sombra e canção sussurrada. Talvez a redenção esteja na ânsia do que geme, do momento fatiado em não promessas, da carne que pulsa em mútuo estímulo.

Saudosos tempos que não tenho saudade.

O hoje é o agora. E amanhã passará nas suas nuvens a lembrança dos raios de sol dourado,  o brilho e calor que ele trazia. Será que sentiria arrependimento pela poesia desperdiçada? Será que constataria quão raro é um raio cair duas vezes no mesmo exato lugar? Será que perceberia que em um mundo cheio de pessoas, apenas algumas nos fazem voar?

Acho que me bastaria se amanhã não existisse e o tempo parasse bem ali...

Na esquina da contramão: três corações.

O meu inevitavelmente e permanentemente, fugindo de você.

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Quantas canções necessitarão ser recolhidas até que o pó se esvaia através do vento?


domingo, 24 de outubro de 2010

Barquinho de papel

                                                         
Valmir Bonfá
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Barquinho de papel
Flutuando, permanece à deriva
De uma ventania
De uma intempérie
Ou mesmo de brisa salgada a lhe inspirar.

Mas não vem a chuva
Não vem o sol
Nem o vento a lhe soprar.

De repente, uma mão o aprisiona
E desfaz sua forma, transformando-o em bilhete.

Em seu verso, letras pequenas, mas legíveis:

"Venha saborear. E amanhã, o que será? 
Será vento, chuva e sol. Casamento de espanhol."

A moça guardou o bilhete molhado em seu corpo suado,
E partiu, sorridente.
Ali na esquina. E somente, ali, naquela esquina estaria contente.

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sábado, 23 de outubro de 2010

Insanity´s drink

Nicoletta Ceccoli
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- Por favor, diretor. Traga-me aquela dose de martíni e junto o roteiro de outra personagem. Essa boa moçoila Pollyana já me entediou.

Nada veio ao seu encontro. Temperamental, a atriz saiu irritada pela porta do estúdio. Encontrou o ar frio da cidade. Caminhou um pouco, a passos largos. Sua pressa fluía na medida de sua ânsia.

Parou no primeiro bar que cruzou. Sentou e pediu uma dose de bebida. Pensou com seus botões adormecidos: "Bem que podia existir uma garrafa inteira de loucura. Iria me embebedar."

Ficou ali bebendo, tecendo pensamentos absortos enquanto o líquido escorria ardido por sua garganta. Fios de imaginação levavam-na para bem longe daquela estranha e previsível realidade.

Imaginou-se caminhando nua na rua, as pessoas olhando-a chocadas. Descobriu-se transando com o primeiro desconhecido que lhe abrisse um sorriso. Desejou sair com o carro pela estrada sem direção e só pararia quando a gasolina acabasse. Dormiria no meio da estrada tendo como sua companhia as estrelas do céu.
Fantasiou aquela praia de água azul e um beijo salgado sobrevoando seu desejo adormecido. Viu-se dançando livre feito pássaro feliz que sai da gaiola, sem regras, apenas deixando que o corpo a levasse para onde bem entendesse. Pensou na dor nos músculos de seu ventre, após rir horas com alguma situação engraçada que tivesse causado.
Reconheceu-se chorando por algum amor perdido e sem solução; as lágrimas roubando o resto de sanidade que habitava em seu corpo. Imaginou-se amando loucamente, onde tudo e simplesmente tudo, girava em torno da paixão, tirando-lhe qualquer traço de solidão e ordem que pudesse existir anteriormente. Só existiria ela e aquele homem, sem nome e sobrenome, mas com coxas, peito, abdômen e membro. Só existiria pernas, enrosco, saliva, desejo, lascívia e brilhos reluzentes da troca de olhares na escuridão.
Transportou-se para outro país, meditando ao passear sob as ruas, ouvindo desconhecidos falando uma língua totalmente desconhecida.
Quis viver outros anseios, outro corpo, outra vida, outra parte de si mesma que não aquela previsivelmente patética.

Voltou trôpega para casa.
Dormiu.

No dia seguinte encontrou o vazio. E todas as outras atividades e obrigações que alguém, ou talvez ela mesma, impôs.


Sorriu. Talvez a paz estivesse ali.
Chorou. Talvez o inferno estivesse ali.
Ela só queria encontrar o equilíbrio entre o nada e o tudo. A gota diária de loucura, que nos faz sentir que somos um pouco mais do que nossas tarefas e o comportamento viável que esperam de nós. Aquilo que nos faz sentir pulsantes e vivos a cada respiração.

Encontrou o questionamento. Tranquilizou-se. Ele viria resgatá-la do cativeiro de si própria, da dormência emburrecida, da inatividade, dos dias iguais e pálidos, esperando cor, sabor, amor e um pouco mais...só um pouco mais de insanidade.

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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Grãos

Picasso
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É o desconhecido,  regente de uma orquestra silenciosa,  quem invade as fibras que tecem as várias camadas de cascas que vamos criando por sob o núcleo.

O tempo leva para longe, assim como grãos de poeira, os significados mais preciosos de outrora. Quem tanto te fez sorrir, hoje já não mais é capaz de trocar duas palavras sinceras. Quem tanto te fez chorar, já não mais amanhece colado ao coração quando se desperta. Alguns desenlaços causam dor; outros vão lentamente se extinguindo feito chama que se apaga com o tempo.

Tudo se ressignifica. Devemos dar adeus na partida? Saudações na chegada?

Se pousarmos os olhos no mar e ali  permanecerem estáticos, nada parece se modificar. Mas a lua sabe que a maré muda conforme seu olhar; seu humor dita os redemoinhos profundos que o movimentam.

Tudo se modifica lentamente. Às vezes tão devagar, que nem sentimos. Mas assim que os olhos se abrem no susto, os grãos que compõe a areia debaixo dos nossos pés, não são os mesmos.

No instante em que constatamos a mudança lenta e gradual, não devemos nos assustar. A nostalgia só nos levará ao beco das situações não resolvidas. Há de se parar e respirar o novo ar! E deixar que os novos grãos de areia façam graça em nossos pés. E rir do vai e vem contínuo e previsível do mar. Se encantar com seu azul, e sorrir, sorrir até enjoar!

Neste momento, em que sinto meus pés rirem, constato que não os mesmos grãos de outrora, percebo o desconhecido à minha volta. São vários. Me oferecem partículas de amor cheias de luz, alimentam-me com novos nutrientes.

São fatídicos ou reflexivos, são precoces ou sombreados, são simples ou engraçados. São mais que presenças ou adjetivos. São novos amigos que a vida oferece, os novos grãos nos pés fazendo graça, novos significados que se abrem como flores na primavera.

E os antigos? Talvez permaneçam em algum lugar e voltem, talvez voem para bem longe, não importa.

O que importa realmente, é se ainda há a capacidade de abrir frestas enluaradas, para que olhos curiosos e carinhosos, espiem. E se chegam ao núcleo, se decifram meio sorrisos ou olhares na foto, se decifram sonhos por detrás de singelas palavras, são capazes de adentrar por completo.

Estou aqui. Metade de mim, é o que vivi, os que amei, os que ainda amo e tiveram ou ainda possuem seu significado. Mas a outra metade é uma imensa fresta, esperando para que mil olhos me leiam e adentrem.

Sou toda imensidão à espera de novas imensidões a me penetrar, para então assim, compor um novo universo a desvendar.

Se sou o que sou, é por ter abrigado tantos em mim.

Ao longe, a orquestra silenciosa toca uma melodia de amor. O mesmo amor, que se manifesta de tantas e maravilhosas formas.

Só sente, quem é céu aberto de estrelas.

Sente?
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Dedico ao desconhecido, esta maravilhosa orquestra a reger nossos corações! À Alisson da Hora, quem soprou as primeiras palavras deste texto, e aos outros "desconhecidos" que assim como ele, hoje compõe meu céu de estrelas, Alexandre Nunes, Ronaldo Coelho, Gustavo Mazzarão e ao Leandro Novellino.
Obrigada por tamanha amizade e chuva de alegria que todos os dias me ofertam generosamente.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

A prima Vera.

Monet
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Esse ano ela chegou mais tímida. Mais calada que o normal. Mas mesmo assim, foi recebida com festa e alegria, como todos os anos a recebemos. A prima Vera, é muito querida da família.

Quando criança, não entendia muito bem o porquê de tanta euforia. Bastava recebermos a carta com sua letra redonda e doce, nos dizendo que estaria em breve em nosso lar, a casa agitava-se; mamãe começava os preparativos para a grande festa da chegada da prima mais querida de todas.

-Mamãe. A tia Vera vai chegar quando? Ela terá estômago para comer tudo isso e saborear tantos doces? Por que tantos balões coloridos?

Mamãe gentilmente me corrigia, mas sem tirar os olhos do bolo que recheava feliz:

-Filhinha, não é Tia Vera. É a prima Vera! Ela é muito especial para todos nós da família. Ela traz sempre muitas flores, distribui sorrisos, aquece nossos corações com esperanças renovadas, é uma presença muito requisitada por todos.

Fez uma pausa e resmungou algo sobre o glacê que decorava o bolo. Trocou a espátula e continuou apressada:

-Ela mora muito longe. Onde nunca conseguiríamos visitá-la. E ela só vem uma vez ao ano e permanece conosco por pouco tempo. Sentimos muita saudade quando ela se vai, mas ficamos ansiosas à espera de que o ano voe. E ele sempre voa; quando menos esperamos, ela chega radiante para nos encher de alegria.

E todos os anos era assim. Eu acompanhava a sua chegada. E era motivo de alegria, pois tínhamos festa quase todos os dias! A casa estava sempre cheia, a mesa sempre farta, os vizinhos entravam e saíam como se fossem moradores.

Só quando fui ficando mais mocinha, é que entendi porque a Prima Vera era tão querida. Ela nos deitava em sua saliente barriga, e nos ninava até pegarmos no sono, contando histórias de sua terra longínqua. Fazia doces, brincava exaustivamente conosco no parque, nos mimava até enjoar.


A prima Vera chegou este ano mais calada que o normal. Mais tímida. Mas mesmo assim, foi recebida com muita alegria.

Eu, tão atarefada, não dei muita importância, como fazia. Mas a recebi com um abraço carinhoso.

Entretida em vários pensamentos, tecia fios sob as feridas, sob os vários rombos de incompreensão na camisa da vida. Costurava inquieta. Outras vezes me cansava de remendar e parava olhando dispersa para o horizonte.

Num desses momentos, a prima Vera chegou sem que eu percebesse e sentou-se ao meu lado.

-Menina, o que fazes?

-Prima querida, costuro essas camisas com tantos rombos. Elas foram maltratadas por atos de desamor e impulsividade.

-E por que não compra camisas novas?

-Por que sinto que só terei paz, se remendar meus velhos erros.

-Paz? Você quer ter paz?

-Sim, prima. Estou às voltas de mim mesma, remoendo meus tristes atos e os desafetos que não fui capaz de transformar.

A prima Vera riu, e eu pude enxergar o velho brilho do seu olhar a acariciar meu sorriso. Me deitou em seu colo e disse:

-A paz... você quer saber do que é feita a paz?

Assenti com a cabeça.

-Comece fechando os olhos. Respire. Esqueça. Absolutamente tudo. Não existe o passado e tampouco o futuro. Só o hoje. Só esse instante. Encha os pulmões de ar. Tudo que puder sorver. Quantas vezes for necessário para que sinta renovação de sopro em sua vida. Agora, vá em suas feridas. Não dê atenção a elas. Precisam de tempo e esquecimento, apenas isso. Caminhe até os sonhos. Como eles estão? Empoeirados? Ou estão jogados e maltratados num canto? Pegue um por um, e limpe-os. Arrume-os. Cante para eles. Abra as janelas. Deixe o sol entrar. Permita que a luz desintegre o bolor e as raízes de tanto medo e desamor.

-Prima, tem um baú que não consigo abrir. Está tão trancado! E tem um sonho, que já estava limpo, como se estivesse sendo usado, que de repente foi arremessado contra a parede. Peguei cuidadosamente e tentei cantar para ele. Mas a minha voz não sai! Não consigo mais cantar!

-Não chore menina! Calma... há a hora certa para que tudo se abra, para que o som volte a ecoar. Se concentre na limpeza. Percebe como tudo está mais limpo? Como agora podemos nos permitir habitar este lugar?

Assenti com a cabeça.

-Agora vá até a janela. Vislumbre o horizonte. Imagine os raios de sol penetrando em cada pedacinho do interior do seu quarto. Sinta o astro tocando sua face e aquecendo seu coração. Ele te enche de energia. Te dá coragem, e... um par de asas!Você agora tem um par de asas! Voe! Para longe! Para onde se sente feliz.E quando voltar tenho certeza que o sol terá cuidado de cada pedacinho do seu quarto. Conseguirá cantar para cada um de seus sonhos. Conseguirá sorrir e abrir cada baú trancafiado pelo medo.Voe!

Mais leve e de olhos fechados, me vi sobrevoando o azul do mar.


Escutei a voz da prima Vera  ao longe me dizendo:

-A paz, é isso! É a capacidade de sobrevoar as feridas, é se encher de ar no sopro da vida, sorrir e prosseguir feliz! Voe! E quando pousar, não se esqueça de agradecer...e viver!

Voei para muito longe. Às vezes é preciso se perder, para então se encontrar.

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segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Um brinde!


Trisha Keiman

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Um brinde!

Aos insatisfeitos!

Aos que tem fome!

Aos que tem sede e àqueles que dormem com um buraco no peito e acordam com ânsia de sentir.

Àqueles que gritam e esmurram o ar, procurando por respostas. Àqueles que silenciam e se acalmam, esperando as mesmas respostas.


Àqueles que buscam um sentido maior para as suas vidas. Aos que olham tudo com sorrisos e sorriem com olhos brilhantes à tudo ao redor.

À vida tão magnífica pairando perplexa, sobre nossos pés tão inseguros da caminhada. Eles se cansam, se maldizem e às vezes se magoam, mas continuam incessantemente caminhando. Às vezes param e sentem os ventos mudando de direção, mas não se cansam de procurar o caminho da própria redenção, o caminho libertador por cada única e individual felicidade.

Um brinde!

Aos intensos, que passam pela vida, mas não deixam a vida passar.

Aos que amam, sem pudores ou subterfúgios. Por quem sorri e não se cansa.

Aos profundamente enraizados de emoções.

Aos complexos. Aos que desbravam a própria selva e se entregam.

Àqueles tão imprevisivelmente previsíveis.

A todos que sorriem e choram, mas não o fazem sem mais ou menos; fazem com toda a alma, calma e fúria que são capazes.

Aos que não tem medo de viver, e de viver permeando sua sombra e luz. Àqueles que apesar das feridas, ainda não perdem a esperança, o viço, a curiosidade da criança, o sorriso e o orgulho no peito.

Peito aberto, braços abertos de quem sabe que a vida é maravilhosa de ser plenamente vivida!

Um brinde.

A nós. Aos nós.

E aos tantos laços e estilhaços de minha morada.

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