sexta-feira, 15 de julho de 2011

Alguém do outro lado da linha, sorri.

Edgar Degas
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Parece que, do dia para a noite, uma muralha de pedras foi erguida dentro de si. Não sabia bem ao certo como foi parar ali.
Talvez, tivesse sido construída lentamente enquanto estava distraída, entre os afazeres e labutas cotidianas, mas de qualquer maneira, achava-a alta e extensa demais para ser finalizada, sem que ela tenha sequer percebido.
Este fato intrigava-a. Como? Quando? Por quê? Enquanto perguntava a si mesma, nervosamente, beliscava um cookie e folheava um livro. Bebericou mais um pouco e sua xícara de chá e arfou levemente ao perceber que estava mais concentrada em seus pensamentos, do que entretida com o livro fundamentalmente importante para seu estudo.

Voltou ao passado... Lembrou de uma parte de si que não mais existia ou havia sido banalmente esquecida. Como espectadora de um filme mudo, enxergou seus feitos heróicos, trágicos, melodramáticos e claro, felizes. Uma felicidade burra, ausente de uma consciência plena e expandida, mas ainda sim, um sentimento vivo em um grau elevado de satisfação. Apesar de tudo, não sentia saudade. Ou se sentiu, deixou escondido e sujeito à poeira, no canto da nostalgia do que não mais fazia sentido.

Foi despindo-se daquelas camadas, feito cobra que vai trocando de pele de tempos em tempos. Tanta lágrima, tanto sofrimento imbecilizado foi lhe arrancando abruptamente os sons, os anseios, os poemas que escrevia nos varais de seus sonhos.
Seus olhos marejaram, diate  desta simples lembrança do que viveu. Ela sabia que, em seu âmago, no meio de toda aquela ventania intempestuosa que a governava e apontava-lhe a total falta de direção, ainda restava toda a pureza e inocência, capaz de lhe conferir toda a beleza de mil luas e o brilho de mil sóis.
Dentro de si, residia o silêncio e anseio de noites estreladas.
Perdida em seus pensamentos, seu corpo vibrou em um leve espasmo, ao ouvir o telefone tocar, arrancando-lhe dos devaneios de outra dimensão, entre passado e presente. Olhou estagnada para o objeto à sua frente; preguiça ou medo de atender? Atendeu.

 -Alô?
Ouviu o som de alguém sorrindo do outro lado da linha.

-Alô? – repetiu, impaciente.

Outro barulho de sorriso.

Irritada, desligou o telefone. A partir daquele instante, o som do barulho do sorriso de alguém que não sabia quem era, ficou reverberando, soando insistentemente dentro de si, caçoando de seu silêncio.
Inconformada com a tamanha invasão que lhe acometeu, ligou a televisão e perseguiu todos os canais em busca de algum refúgio, alguma atração capaz de lhe conferir esquecimento ou alívio. Mas não... O som do sorriso continuava a incomodando e a irritava mais que barulho de giz arranhando a lousa.
Já não sabia o que estava lhe acontecendo, mas estava acontecendo algo! Concluiu temerosa, que não era qualquer coisa, e sim, algo extremamente significativo, irritantemente significativo! Quem era ao telefone e porque sorria? Porque ligou justamente para o seu telefone? O que queria dizer aquele som de boca se abrindo em um sorriso?
Quanto mais pensava, mais mordia os lábios, mais tentava em vão se distrair. E a irritação que a fazia morder os lábios, cresceu. Produziu coceira em seu corpo. Ela começou a se coçar, sem deixar o movimento de apertar os dentes contra os lábios. E a coceira foi aumentando, e junto dela uma inquietação, uma raiva, uma inconformação tamanha, que quando menos percebeu, estava no chão da sala, se esfolando no chão, se arranhando, puxando seus cabelos e girando sobre seu corpo.

O telefone voltou a tocar e finalmente parou com aquele colapso tresloucado. Seus olhos estalados fitavam o aparelho e algo dentro de si, lhe repetia:

-Não atenda, é alguém querendo sorrir para você.

Algo dentro de si desejava atender o telefone, sorrir também e rindo perguntar docemente:

 -Quem está aí? Quem é você, que sorri para mim?

Mas limitou-se a olhar o telefone. Não ousou esboçar mais nenhuma reação. Ficou ali, inerte, sentindo seu corpo no piso gelado, sentindo seus olhos esbugalhados, mas já não conseguia se mexer ou simplesmente não queria se mexer. A sensação que tinha, era que tudo lhe doeria, dos pés a cabeça, se ousasse sair dali.
 Adormeceu muito tempo depois. O cansaço venceu a inércia e ela finalmente, repousou. Transportou-se para o mundo dos sonhos, que seria mais gentil, do que esta realidade vil, transbordando intrusos e caçoando de seus muros.

Dormiu, para nunca mais querer acordar.



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