domingo, 28 de fevereiro de 2010

'El deseo'

                                                                                Klimt
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Ela ardia num fogo que a consumia diariamente.

Sentada numa lanchonete Fast Food, uma amiga contava da noite de sexo sensacional, com sua mais nova paixão. Ressaltava a parte romântica, a noite lúdica em gemidos de amor.

Ela, com sua imaginação fervorosa, viajava veloz pelo espaço e como numa tela de cinema, via os passos alheios; contorcia-se por debaixo dos panos. Seu apetite estava cruel, o qual a estava consumindo em cinzas. Precisava urgentemente de sexo!

Não que fosse ninfomaníaca, ou algo do gênero, mas já fazia algum tempo que não se rendia ao entrelaçamento corporal. Era apenas uma mulher como qualquer outra, que não encarava o ato, como um incômodo ou obrigação, mas como um momento de fusão e libertação.

Justamente por isso, não podia banalizá-lo apelando à alguém sem sentido.

Precisava dos risos, dos papos intermináveis, da filosofia barata, de um vinho barato, de um momento bizarro de lucidez entre as íris, algo como uma conexão.

Não precisava estar morrendo de paixão, mas não poderia apenas ser carnal. Tinha que haver um carinho, um devaneio louco entre um beijo e outro, uma entrega maior, um ninho da qual pudesse se encolher, para se sentir acolhida.

Sexo para ela, era algo puramente intelectual, envergando para o espiritual.

Tinha que fazer sentido, senão o orgasmo a engoliria pelo vazio.

Sem pudores, se resolveu. Mas já não estava bastando. Não fazia jus às expectativas de seu corpo sedento de quentura real. Sua imaginação, por mais criativa e inteligente que fosse, não estava mais satisfeita com o som da própria voz.

Ficou balançando as pernas, naquela impaciência típica dos estressados.

A cada remexer truculento, seu corpo gritava aos seus ouvidos:

"Ei garota! Deixa de ser hipócrita com esse papo de fusão, e se atraque com o primeiro gostosão que aparecer na sua frente!"

Ela respondia irritada:

"Cale a boca com seus conselhos superficiais, se contente com meus dedos!"

Roía as unhas, desviava o pensamento, socorria-se vez em quando, pensava em Buda, Dalai Lama, Jesus Cristo, meditava, repetindo 'On namah shivaya', tomava banho gelado, ia à igreja ouvir a pregação do padre, lia  reportagens sobre os famintos da África ou sobre a política nacional, mas nada adiantava.
'El deseo' continuava lá,  sacudindo-a  feroz como um furacão, perseguindo-a com seus tons avermelhados, violentamente.

De todos os males que a solteirice poderia oferecer, a abstinência sexual é a que mais lhe fazia desejar alguém.

Não se deixava levar por caretices que a carência produz,  se sentia feliz com sua vida em liberdade, mas sexo era algo que, por mais que oferecesse a si mesma, não conseguia se satisfazer.

Nem o chocolate, nem o vibrador que comprou no sex shop, nem seus dedinhos, nem o pensamento no vizinho, nem os sonhos eróticos com o ator de cinema americano, nem o canal quarenta e dois da TV à cabo.  Absolutamente nada!

Só lhe restou uma solução. Apelativa, mas absolutamente necessária.

Discou o número.

-Alô?

- Oi...

Desenterrou da agenda telefônica, aquele que lhe poderia salvar.

Toda mulher, sempre tem um pau amigo para lhe ajudar.

Naquela noite, dormiu bem mais relaxada. Sem culpas, nem amarguras.

Sexo por sexo pode ser banal, mas combina bem mais com a vida real.

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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Abstenho-me!

Salvador Dali
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De um estalo- como se meu coração adivinhasse a parte que me toca- levantei da cama para escrever.
O cansaço e o sono não venceram o passear tenso de minha mente entre teias confusamente armadas.

Ergui-me da cama, esperando dar alívio a minha prece noturna ; deparei-me novamente com paisagens turvas.

E quando a incompreensão desaguou pelos olhos mais uma vez, percebi que ali jazia a morte do que não vivi.

Elas escorriam tão quentes, tão desejosas de um pouco de sensatez, de amadurecência, de calma. Escorriam  tão frias entre os escombros dos restos de cansaço de dias boiando sem fim.

Escolhas são escolhas. Apenas colha aquilo que planta diariamente com gestos de desafetos ou palavras de melodia.

Eu escolho aquilo que me faz sorrir.
Enquanto meu sorriso esteve aqui, por você, meus dias foram lindos nesse querer.

Se deságuo, se transbordo em soluços por um amor vivido entre dias de sim e não, os sentidos se descabelam na minha frente ; embaraçada, torno-me.

Minha pura incapacidade de adentrar em jogos, de não ser versátil como água que vai penetrando entre os orifícios das rochas, nega-me a vivenciar  além do que meu respeito por mim me permite.

Sou o que sou.

É o que é.

Jamais tive a pretensão de modificar a maneira de cada um enxergar a vida. Vivo de acordo com minhas previsibilidades.

Se procura o oposto,  a imprevisibilidade de dias azuis ou rosas, se procura a casualidade para esconder nos seus escombros do medo, subterfúgios imaturos - seja feliz.

Escolho a simplicidade.
Escolho a liberdade de amar, de permitir deixar o amor maior fluir por todos os meus poros com tamanha força que a minha alma se torne melodia, rima, poesia.
De acreditar, de doar os mais sinceros afetos até que tudo fique sem nexo ou deixe de se encaixar.

Assim, cada um vivencia seu universo particular, com tudo que lhe cabe.

Vomito essas palavras no tilintar das horas. A madrugada me convida a acalmar. Não há porquê chorar.

Acho o cúmulo do absurdo, da impessoalidade, palavras que deveriam ser transmitidas pelas  íris -só sua luz e força poderiam falar a verdade- se transformarem em virtualidade barata.

A ti, meu sagrado manto, meu sagrado pranto, meu sagrado abster.


A ti, e a ninguém mais, somente a ti, o meu sagrado silêncio...

Abstenho-me.


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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Epifania

                                                                            Renoir

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 É preciso epifania.

 Empatia.

 Uma pitada de tempo e poesia.

Como borboleta colorida, bato asas entre a massa verdejante, entre as flores do meu coração.
Pouso alegre, calo-me diante das pétalas e folhagens.

Contemplo.

Sugo.

Sigo.

E nada mais digo, nada mais expresso.

Aquieto-me.

O silêncio e meus olhos fechados sob as pálpebras, mostrarão a epifania dos meus dias, dos teus poemas, das tuas tintas transcritas em paisagens turvas.

E nada mais me importa, nada mais me cega, nada mais me fere.

Só desejo esse néctar que sugo das flores e que me alimenta por onde voo, a cada bater de asas aflitas fugindo de meus sentimentos.

A cada palavra que se acumula sob a boca, sob a montanha de interrogações e mal entendidos, imploro: redenção.

O agridoce de dias felizes, ainda saltita em minha língua.

A mesma língua que se mostrou ferina ao repudiar incompreensões.

A mesma língua que se manterá calada, até que a cortina se feche e a verdadeira luz entre pelas frestas.

A mesma língua que te beijará e te cobrirá de sonhos e inspirações na calada da noite embalada em canções.

Eu só queria poder dizer-lhe das flores...

Elas continuam aqui, no meu vaso de amor, aguardando sol para desabrocharem em luz perfumada!

Acumulo segredos; apenas os dedos dão conta de dizer algo.

Escrevo para redimir  minhas falhas. Escrevo para aliviar  pranto.

Empatia?

Dou-te minha maior epifania:

Vejo-me, através do seu olhar...

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terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Descortinando poesia

Picasso
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Abre-se a cortina

Seria sorriso ou pranto?

Seria véu a voar pelo céu?

Seria sonho descortinando poesia?

 
E aquela menina, só sorria

Mas por dentro, agonia

De não saber pra onde ela ia

 
Ele por sua vez

Mestre em mascarar

Comprimia numa caixa

E não deixava escapar


Só poema solto

Só palavras vento

Só canção muda

Só, tão só
 
O amor é ato, é fato, é destino
O amor é pacto, é laço, é ninho
O amor é escolha, é querer, é caminho
Sem culpa, nem desculpa
Apenas chegada
E partida demorada
Sem partir corações


Chorou, emudeceu

Por fim, aliviou-se

E decidiu enfim, dar fim

E desaguar na foz

A sós

E desatar os nós

Nos lençóis

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terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Sorriso infinito


                                                                Tarsila do Amaral

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Um poço fundo à procura do sorriso infinito mergulhado em água cristalina e calma.

Estava seca, agora transbordo por todo canto e canto uma melodia de esperança junto com o ar que sai de meus pulmões.

Venha beber desta água. Se banhe em meu leito de amor.

A chuva aniquilou a ressequidão, a desilusão.

Terra molhada, úmida em esperanças de novos caminhos que se abrem.

Os espinhos se encolhem dando lugar às flores, o verde se renova em matizes tão diversos e a poesia se escuta no sibilar dos pássaros.

No meu caminho, nada me demoverá de me encontrar ao final. De encontrar em mim o sorriso infinito, que jamais se encolhe.

Apenas recolhe em seu caminhar, outros abrires de bocas em contentamento.

É a paz que cintila em meus olhos. Uma alegria renovadora.

Sigo a luz. A luz que meu próprio coração como um enorme farol, ilumina a passagem.

Foi a paisagem revivida por minhas íris que me impulsionou. Suguei a força contida naquelas cores vibrantes e senti passar por minhas raízes todo o alimento que necessitava.

Estava tão desgastada!

Agora sinto-me plena.

Eu, tão multiplamente complexa, inversa e cética, torno a acreditar.


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