quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Esquina da contramão

Nicoletta Ceccoli
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Dias se passam e tudo cai no esquecimento, até que um complexo beijo...

Talvez eu esteja como naquele sonho. Escondida debaixo da cama, esperando ser flagrada ou esquecida. À espera de qualquer coisa que anestesie o inexistir. Qualquer coisa que alivie a culpa. Qualquer coisa que me faça sentir viva.

E o grito assustado? E a dor causada? E a redenção de onde virá?

E para onde irá a interrogação que não cansa de se repetir, zombando das minhas sempre ansiosas reticências?

E a boca que se cala e caminha inevitavelmente para a solidão?

Não me importaria de não sermos mais que momentos fugidios de nosso desejo, se eu pudesse por apenas um segundo, subir no arranha céu da sua mente e passear nas suas nuvens.


Estou rodeada de amarras. As minhas, as suas, a de tantos. Farrapos rasgando versos ao meio, sonhos se perdendo na imensidão dos nãos, poeira voando para o montante das saudades do que nunca existiu.

Talvez seja essa a missão. Partir-me ao meio, me fragmentar, ser sombra e canção sussurrada. Talvez a redenção esteja na ânsia do que geme, do momento fatiado em não promessas, da carne que pulsa em mútuo estímulo.

Saudosos tempos que não tenho saudade.

O hoje é o agora. E amanhã passará nas suas nuvens a lembrança dos raios de sol dourado,  o brilho e calor que ele trazia. Será que sentiria arrependimento pela poesia desperdiçada? Será que constataria quão raro é um raio cair duas vezes no mesmo exato lugar? Será que perceberia que em um mundo cheio de pessoas, apenas algumas nos fazem voar?

Acho que me bastaria se amanhã não existisse e o tempo parasse bem ali...

Na esquina da contramão: três corações.

O meu inevitavelmente e permanentemente, fugindo de você.

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Quantas canções necessitarão ser recolhidas até que o pó se esvaia através do vento?


domingo, 24 de outubro de 2010

Barquinho de papel

                                                         
Valmir Bonfá
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Barquinho de papel
Flutuando, permanece à deriva
De uma ventania
De uma intempérie
Ou mesmo de brisa salgada a lhe inspirar.

Mas não vem a chuva
Não vem o sol
Nem o vento a lhe soprar.

De repente, uma mão o aprisiona
E desfaz sua forma, transformando-o em bilhete.

Em seu verso, letras pequenas, mas legíveis:

"Venha saborear. E amanhã, o que será? 
Será vento, chuva e sol. Casamento de espanhol."

A moça guardou o bilhete molhado em seu corpo suado,
E partiu, sorridente.
Ali na esquina. E somente, ali, naquela esquina estaria contente.

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sábado, 23 de outubro de 2010

Insanity´s drink

Nicoletta Ceccoli
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- Por favor, diretor. Traga-me aquela dose de martíni e junto o roteiro de outra personagem. Essa boa moçoila Pollyana já me entediou.

Nada veio ao seu encontro. Temperamental, a atriz saiu irritada pela porta do estúdio. Encontrou o ar frio da cidade. Caminhou um pouco, a passos largos. Sua pressa fluía na medida de sua ânsia.

Parou no primeiro bar que cruzou. Sentou e pediu uma dose de bebida. Pensou com seus botões adormecidos: "Bem que podia existir uma garrafa inteira de loucura. Iria me embebedar."

Ficou ali bebendo, tecendo pensamentos absortos enquanto o líquido escorria ardido por sua garganta. Fios de imaginação levavam-na para bem longe daquela estranha e previsível realidade.

Imaginou-se caminhando nua na rua, as pessoas olhando-a chocadas. Descobriu-se transando com o primeiro desconhecido que lhe abrisse um sorriso. Desejou sair com o carro pela estrada sem direção e só pararia quando a gasolina acabasse. Dormiria no meio da estrada tendo como sua companhia as estrelas do céu.
Fantasiou aquela praia de água azul e um beijo salgado sobrevoando seu desejo adormecido. Viu-se dançando livre feito pássaro feliz que sai da gaiola, sem regras, apenas deixando que o corpo a levasse para onde bem entendesse. Pensou na dor nos músculos de seu ventre, após rir horas com alguma situação engraçada que tivesse causado.
Reconheceu-se chorando por algum amor perdido e sem solução; as lágrimas roubando o resto de sanidade que habitava em seu corpo. Imaginou-se amando loucamente, onde tudo e simplesmente tudo, girava em torno da paixão, tirando-lhe qualquer traço de solidão e ordem que pudesse existir anteriormente. Só existiria ela e aquele homem, sem nome e sobrenome, mas com coxas, peito, abdômen e membro. Só existiria pernas, enrosco, saliva, desejo, lascívia e brilhos reluzentes da troca de olhares na escuridão.
Transportou-se para outro país, meditando ao passear sob as ruas, ouvindo desconhecidos falando uma língua totalmente desconhecida.
Quis viver outros anseios, outro corpo, outra vida, outra parte de si mesma que não aquela previsivelmente patética.

Voltou trôpega para casa.
Dormiu.

No dia seguinte encontrou o vazio. E todas as outras atividades e obrigações que alguém, ou talvez ela mesma, impôs.


Sorriu. Talvez a paz estivesse ali.
Chorou. Talvez o inferno estivesse ali.
Ela só queria encontrar o equilíbrio entre o nada e o tudo. A gota diária de loucura, que nos faz sentir que somos um pouco mais do que nossas tarefas e o comportamento viável que esperam de nós. Aquilo que nos faz sentir pulsantes e vivos a cada respiração.

Encontrou o questionamento. Tranquilizou-se. Ele viria resgatá-la do cativeiro de si própria, da dormência emburrecida, da inatividade, dos dias iguais e pálidos, esperando cor, sabor, amor e um pouco mais...só um pouco mais de insanidade.

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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Grãos

Picasso
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É o desconhecido,  regente de uma orquestra silenciosa,  quem invade as fibras que tecem as várias camadas de cascas que vamos criando por sob o núcleo.

O tempo leva para longe, assim como grãos de poeira, os significados mais preciosos de outrora. Quem tanto te fez sorrir, hoje já não mais é capaz de trocar duas palavras sinceras. Quem tanto te fez chorar, já não mais amanhece colado ao coração quando se desperta. Alguns desenlaços causam dor; outros vão lentamente se extinguindo feito chama que se apaga com o tempo.

Tudo se ressignifica. Devemos dar adeus na partida? Saudações na chegada?

Se pousarmos os olhos no mar e ali  permanecerem estáticos, nada parece se modificar. Mas a lua sabe que a maré muda conforme seu olhar; seu humor dita os redemoinhos profundos que o movimentam.

Tudo se modifica lentamente. Às vezes tão devagar, que nem sentimos. Mas assim que os olhos se abrem no susto, os grãos que compõe a areia debaixo dos nossos pés, não são os mesmos.

No instante em que constatamos a mudança lenta e gradual, não devemos nos assustar. A nostalgia só nos levará ao beco das situações não resolvidas. Há de se parar e respirar o novo ar! E deixar que os novos grãos de areia façam graça em nossos pés. E rir do vai e vem contínuo e previsível do mar. Se encantar com seu azul, e sorrir, sorrir até enjoar!

Neste momento, em que sinto meus pés rirem, constato que não os mesmos grãos de outrora, percebo o desconhecido à minha volta. São vários. Me oferecem partículas de amor cheias de luz, alimentam-me com novos nutrientes.

São fatídicos ou reflexivos, são precoces ou sombreados, são simples ou engraçados. São mais que presenças ou adjetivos. São novos amigos que a vida oferece, os novos grãos nos pés fazendo graça, novos significados que se abrem como flores na primavera.

E os antigos? Talvez permaneçam em algum lugar e voltem, talvez voem para bem longe, não importa.

O que importa realmente, é se ainda há a capacidade de abrir frestas enluaradas, para que olhos curiosos e carinhosos, espiem. E se chegam ao núcleo, se decifram meio sorrisos ou olhares na foto, se decifram sonhos por detrás de singelas palavras, são capazes de adentrar por completo.

Estou aqui. Metade de mim, é o que vivi, os que amei, os que ainda amo e tiveram ou ainda possuem seu significado. Mas a outra metade é uma imensa fresta, esperando para que mil olhos me leiam e adentrem.

Sou toda imensidão à espera de novas imensidões a me penetrar, para então assim, compor um novo universo a desvendar.

Se sou o que sou, é por ter abrigado tantos em mim.

Ao longe, a orquestra silenciosa toca uma melodia de amor. O mesmo amor, que se manifesta de tantas e maravilhosas formas.

Só sente, quem é céu aberto de estrelas.

Sente?
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Dedico ao desconhecido, esta maravilhosa orquestra a reger nossos corações! À Alisson da Hora, quem soprou as primeiras palavras deste texto, e aos outros "desconhecidos" que assim como ele, hoje compõe meu céu de estrelas, Alexandre Nunes, Ronaldo Coelho, Gustavo Mazzarão e ao Leandro Novellino.
Obrigada por tamanha amizade e chuva de alegria que todos os dias me ofertam generosamente.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

A prima Vera.

Monet
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Esse ano ela chegou mais tímida. Mais calada que o normal. Mas mesmo assim, foi recebida com festa e alegria, como todos os anos a recebemos. A prima Vera, é muito querida da família.

Quando criança, não entendia muito bem o porquê de tanta euforia. Bastava recebermos a carta com sua letra redonda e doce, nos dizendo que estaria em breve em nosso lar, a casa agitava-se; mamãe começava os preparativos para a grande festa da chegada da prima mais querida de todas.

-Mamãe. A tia Vera vai chegar quando? Ela terá estômago para comer tudo isso e saborear tantos doces? Por que tantos balões coloridos?

Mamãe gentilmente me corrigia, mas sem tirar os olhos do bolo que recheava feliz:

-Filhinha, não é Tia Vera. É a prima Vera! Ela é muito especial para todos nós da família. Ela traz sempre muitas flores, distribui sorrisos, aquece nossos corações com esperanças renovadas, é uma presença muito requisitada por todos.

Fez uma pausa e resmungou algo sobre o glacê que decorava o bolo. Trocou a espátula e continuou apressada:

-Ela mora muito longe. Onde nunca conseguiríamos visitá-la. E ela só vem uma vez ao ano e permanece conosco por pouco tempo. Sentimos muita saudade quando ela se vai, mas ficamos ansiosas à espera de que o ano voe. E ele sempre voa; quando menos esperamos, ela chega radiante para nos encher de alegria.

E todos os anos era assim. Eu acompanhava a sua chegada. E era motivo de alegria, pois tínhamos festa quase todos os dias! A casa estava sempre cheia, a mesa sempre farta, os vizinhos entravam e saíam como se fossem moradores.

Só quando fui ficando mais mocinha, é que entendi porque a Prima Vera era tão querida. Ela nos deitava em sua saliente barriga, e nos ninava até pegarmos no sono, contando histórias de sua terra longínqua. Fazia doces, brincava exaustivamente conosco no parque, nos mimava até enjoar.


A prima Vera chegou este ano mais calada que o normal. Mais tímida. Mas mesmo assim, foi recebida com muita alegria.

Eu, tão atarefada, não dei muita importância, como fazia. Mas a recebi com um abraço carinhoso.

Entretida em vários pensamentos, tecia fios sob as feridas, sob os vários rombos de incompreensão na camisa da vida. Costurava inquieta. Outras vezes me cansava de remendar e parava olhando dispersa para o horizonte.

Num desses momentos, a prima Vera chegou sem que eu percebesse e sentou-se ao meu lado.

-Menina, o que fazes?

-Prima querida, costuro essas camisas com tantos rombos. Elas foram maltratadas por atos de desamor e impulsividade.

-E por que não compra camisas novas?

-Por que sinto que só terei paz, se remendar meus velhos erros.

-Paz? Você quer ter paz?

-Sim, prima. Estou às voltas de mim mesma, remoendo meus tristes atos e os desafetos que não fui capaz de transformar.

A prima Vera riu, e eu pude enxergar o velho brilho do seu olhar a acariciar meu sorriso. Me deitou em seu colo e disse:

-A paz... você quer saber do que é feita a paz?

Assenti com a cabeça.

-Comece fechando os olhos. Respire. Esqueça. Absolutamente tudo. Não existe o passado e tampouco o futuro. Só o hoje. Só esse instante. Encha os pulmões de ar. Tudo que puder sorver. Quantas vezes for necessário para que sinta renovação de sopro em sua vida. Agora, vá em suas feridas. Não dê atenção a elas. Precisam de tempo e esquecimento, apenas isso. Caminhe até os sonhos. Como eles estão? Empoeirados? Ou estão jogados e maltratados num canto? Pegue um por um, e limpe-os. Arrume-os. Cante para eles. Abra as janelas. Deixe o sol entrar. Permita que a luz desintegre o bolor e as raízes de tanto medo e desamor.

-Prima, tem um baú que não consigo abrir. Está tão trancado! E tem um sonho, que já estava limpo, como se estivesse sendo usado, que de repente foi arremessado contra a parede. Peguei cuidadosamente e tentei cantar para ele. Mas a minha voz não sai! Não consigo mais cantar!

-Não chore menina! Calma... há a hora certa para que tudo se abra, para que o som volte a ecoar. Se concentre na limpeza. Percebe como tudo está mais limpo? Como agora podemos nos permitir habitar este lugar?

Assenti com a cabeça.

-Agora vá até a janela. Vislumbre o horizonte. Imagine os raios de sol penetrando em cada pedacinho do interior do seu quarto. Sinta o astro tocando sua face e aquecendo seu coração. Ele te enche de energia. Te dá coragem, e... um par de asas!Você agora tem um par de asas! Voe! Para longe! Para onde se sente feliz.E quando voltar tenho certeza que o sol terá cuidado de cada pedacinho do seu quarto. Conseguirá cantar para cada um de seus sonhos. Conseguirá sorrir e abrir cada baú trancafiado pelo medo.Voe!

Mais leve e de olhos fechados, me vi sobrevoando o azul do mar.


Escutei a voz da prima Vera  ao longe me dizendo:

-A paz, é isso! É a capacidade de sobrevoar as feridas, é se encher de ar no sopro da vida, sorrir e prosseguir feliz! Voe! E quando pousar, não se esqueça de agradecer...e viver!

Voei para muito longe. Às vezes é preciso se perder, para então se encontrar.

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segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Um brinde!


Trisha Keiman

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Um brinde!

Aos insatisfeitos!

Aos que tem fome!

Aos que tem sede e àqueles que dormem com um buraco no peito e acordam com ânsia de sentir.

Àqueles que gritam e esmurram o ar, procurando por respostas. Àqueles que silenciam e se acalmam, esperando as mesmas respostas.


Àqueles que buscam um sentido maior para as suas vidas. Aos que olham tudo com sorrisos e sorriem com olhos brilhantes à tudo ao redor.

À vida tão magnífica pairando perplexa, sobre nossos pés tão inseguros da caminhada. Eles se cansam, se maldizem e às vezes se magoam, mas continuam incessantemente caminhando. Às vezes param e sentem os ventos mudando de direção, mas não se cansam de procurar o caminho da própria redenção, o caminho libertador por cada única e individual felicidade.

Um brinde!

Aos intensos, que passam pela vida, mas não deixam a vida passar.

Aos que amam, sem pudores ou subterfúgios. Por quem sorri e não se cansa.

Aos profundamente enraizados de emoções.

Aos complexos. Aos que desbravam a própria selva e se entregam.

Àqueles tão imprevisivelmente previsíveis.

A todos que sorriem e choram, mas não o fazem sem mais ou menos; fazem com toda a alma, calma e fúria que são capazes.

Aos que não tem medo de viver, e de viver permeando sua sombra e luz. Àqueles que apesar das feridas, ainda não perdem a esperança, o viço, a curiosidade da criança, o sorriso e o orgulho no peito.

Peito aberto, braços abertos de quem sabe que a vida é maravilhosa de ser plenamente vivida!

Um brinde.

A nós. Aos nós.

E aos tantos laços e estilhaços de minha morada.

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