quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Para onde vai o grito dos que choram?



Seria apenas mais uma manchete de jornal, assim como as tantas que ecoam nas vozes dos jornalistas que nem nos chocam ou indignam como deveria, já que a freqüência é algoz banalizadora de qualquer compadecimento.



Seria apenas mais uma manchete de jornal, uma tragédia familiar marcada pela entrada fatal de um inimigo público perverso e oculto, que destrói sonhos, arranca a humanidade, despedaça a vida. A “droga” mais pesada e sádica é a “droga” da ruína familiar.

Seria apenas uma manchete de jornal... se eu não tivesse diante de seu caixão prometido não deixar essa história em vão, de perpetuar seu nome como espada que luta e implora por paz.

Se eu não tivesse visto seu rosto sem vida, coberto de tantas flores contrapondo-se àquela feição serelepe e entediada que apresentava todos os dias pela manhã.

Para muitos, apenas uma notícia de assassinato. Para mim, a perda de um aluno. Para os que choram, a falta total de consolo.

Nestes dias em que muito ou quase tudo parece perder o sentido, me pergunto, retorço minhas entranhas em perguntas sem resposta:

-Para onde vai o grito dos que choram?

-Onde mora o eco oco do absurdo?

-Qual a extensão deste desamor que paira como nuvem pesada sobre nossas cabeças?

-Há cura para o mal, que de tão normal, tornou-se banal?

Ali, diante de seu caixão, Mateus, todos rezaram uma oração. As palavras pronunciavam que as respostas estavam guardadas no templo de Deus. Que somente Ele, e somente o tempo, o senhor da cura e dos milagres, guardavam as respostas.

E que a nós cabia aceitar.

Aceitar sim. Se calar, jamais!

A boca que cala, consente. Não podemos deixar que o nosso grito se perca na imensidão dos horrores. Que ele soe por todos os cantos, que ele perturbe os vizinhos, a cidade inteira, dos mendigos aos milionários, que acenda as luzes, que apague os fogões, que todos saiam à janela e presenciem todas as vozes gritando NÃO!

Alguém emocionado disse, por debaixo da torrente de águas, que ninguém estava ali naquele momento por coincidência. Que haveríamos de absorver algo de importante daquele momento. Eu, levada ali por um “acaso”, chorei. Por ti, querido, tão jovem, tão cheio de sopro de vida, sendo esvaziado de maneira tão enlouquecida e cruel. Por mim, ali levada para absorver mais um aprendizado de vida, para acordar um erro permanente e adormecido. Por todos nós, que nos perdemos em pequenezas cotidianas, que reclamamos do pouco ou quase inexistente problema que possa nos perturbar, que choramos sem fé, que olhamos ao redor, mas não conseguimos enxergar com o coração e alma.

De tudo, daquela tarde tão atípica e cinzenta, ficou fixado em minha alma as palavras de sua bisavó ditas em meio a tanta dor; dor esta que jamais a minha mão colada à dela poderia consolar...palavras que referiam-se aos algozes de sua morte:

-Se não se aprende pelo amor, se aprende pela dor.

Que o amor reine em nossas ações. Que a boca jamais se cale, quando quem grita é a paz implorando voz em nossos corações.

Amém milhões de vezes.

Por Mateus, por mim, por todos nós, por todos aqueles que já não estão mais conosco, vítimas do absurdo...

Amém.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Há?



                                                     Nicoleta Ceccoli
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Não era raiva. Tampouco tristeza. Havia calma disfarçada de incerteza.
Não era choro, nem riso. Talvez uma ironia misturada com humor.
Não era lamento nem estranhamento, muito menos dor.
Talvez fosse  indiferença calculada. Mas com certeza era repúdio àquela estrada.

Ficou ali ajoelhada no chão, remexendo no baú à procura dos livros, à procura das palavras capazes de pintar com precisão  um quadro com seus sentimentos. Palavras  que pudessem sintetizar como os últimos fatos haviam lhe tocado.

Só havia encontrado o desencontro.

Folheou Clarice,  Leminski, Caio Fernando de Abreu, e nada.
Abriu as páginas de Veríssimo, Shakespeare, Nelson Rodrigues, e nada.
Procurou em Moliére, Racine, Sófocles e todas lhe pareciam distantes e infundadas.
Leu Kafka, Paulo Coelho, Chico Buarque, Niechtze e nenhuma conseguia exprimir.

As palavras só encontraram refúgio no inexistir.

Silêncio...

No silêncio é que foi capaz de refletir sobre as cenas desconexas que se desenrolaram igual a um filme dono de uma velocidade incompreensível.

Assistia perplexa.

Multidões vagavam sem sentido. Buscavam algo maior que si mesmas, algo como o amor ou outro sinônimo que as fizessem sentir que em suas vidas havia um sentido elevado. Buscavam algo sublime como o sonho da felicidade.

Mas ao contrário da máxima verdade, a vaidade e a luxúria vagavam  por suas bocas e corpos; a busca projetava-se em caminhos perigosos e contraditórios.

Uma figura doce e genuína chorava ao canto, vítima de sua própria capacidade de doar-se. Outras figuras a consolavam. Existe consolo para tamanho desencontro egoísta e egoíco? Existe consolo para  tamanho desamor? Existe consolo para a extrema superficialidade? Existe consolo para as dores provocadas por tantos corações áridos e ocos?

A lágrima que escorria só desejava derramar de felicidade. Tão bom transbordar em sinceridade! Tão bom transbordar em respeito, afeto, troca! E assim não há mais nada que importa, nem x, nem y, nem xy, nem equação complexa ou nem tanto, que vale o poder de todas as possibilidades de amor, de todas as formas de amar!

Ficou ali... a cantar baixinho, reflexiva, procurando entre os autores alguém que pudesse exprimir a complexidade da superficialidade.

Não achou.

Cansou-se e já ia embora muda, com o olhar cheio de nuvens desejosas de sóis, quando viu perdido num canto, perto da pilha de lençóis, um livro de Drummond.

Abriu a página ao léu e se surpreendeu com o que leu. Encontrou as palavras exatas que definiam suas impressões. Era um poema chamado Quadrilha.

Dizia assim:

"João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém."

E todos viveram infelizes para sempre, até aprenderem o verdadeiro significado em atos da palavra mais importante de todas as palavras. A palavra que nos faz sentir vivos, que nos impulsiona, que é capaz de transformar e regenerar.
A palavra que todos buscamos, mas egoístas que somos, vivemos a desperdiçar.

Amor...

Amar...

Há?

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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Esquina da contramão

Nicoletta Ceccoli
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Dias se passam e tudo cai no esquecimento, até que um complexo beijo...

Talvez eu esteja como naquele sonho. Escondida debaixo da cama, esperando ser flagrada ou esquecida. À espera de qualquer coisa que anestesie o inexistir. Qualquer coisa que alivie a culpa. Qualquer coisa que me faça sentir viva.

E o grito assustado? E a dor causada? E a redenção de onde virá?

E para onde irá a interrogação que não cansa de se repetir, zombando das minhas sempre ansiosas reticências?

E a boca que se cala e caminha inevitavelmente para a solidão?

Não me importaria de não sermos mais que momentos fugidios de nosso desejo, se eu pudesse por apenas um segundo, subir no arranha céu da sua mente e passear nas suas nuvens.


Estou rodeada de amarras. As minhas, as suas, a de tantos. Farrapos rasgando versos ao meio, sonhos se perdendo na imensidão dos nãos, poeira voando para o montante das saudades do que nunca existiu.

Talvez seja essa a missão. Partir-me ao meio, me fragmentar, ser sombra e canção sussurrada. Talvez a redenção esteja na ânsia do que geme, do momento fatiado em não promessas, da carne que pulsa em mútuo estímulo.

Saudosos tempos que não tenho saudade.

O hoje é o agora. E amanhã passará nas suas nuvens a lembrança dos raios de sol dourado,  o brilho e calor que ele trazia. Será que sentiria arrependimento pela poesia desperdiçada? Será que constataria quão raro é um raio cair duas vezes no mesmo exato lugar? Será que perceberia que em um mundo cheio de pessoas, apenas algumas nos fazem voar?

Acho que me bastaria se amanhã não existisse e o tempo parasse bem ali...

Na esquina da contramão: três corações.

O meu inevitavelmente e permanentemente, fugindo de você.

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Quantas canções necessitarão ser recolhidas até que o pó se esvaia através do vento?


domingo, 24 de outubro de 2010

Barquinho de papel

                                                         
Valmir Bonfá
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Barquinho de papel
Flutuando, permanece à deriva
De uma ventania
De uma intempérie
Ou mesmo de brisa salgada a lhe inspirar.

Mas não vem a chuva
Não vem o sol
Nem o vento a lhe soprar.

De repente, uma mão o aprisiona
E desfaz sua forma, transformando-o em bilhete.

Em seu verso, letras pequenas, mas legíveis:

"Venha saborear. E amanhã, o que será? 
Será vento, chuva e sol. Casamento de espanhol."

A moça guardou o bilhete molhado em seu corpo suado,
E partiu, sorridente.
Ali na esquina. E somente, ali, naquela esquina estaria contente.

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sábado, 23 de outubro de 2010

Insanity´s drink

Nicoletta Ceccoli
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- Por favor, diretor. Traga-me aquela dose de martíni e junto o roteiro de outra personagem. Essa boa moçoila Pollyana já me entediou.

Nada veio ao seu encontro. Temperamental, a atriz saiu irritada pela porta do estúdio. Encontrou o ar frio da cidade. Caminhou um pouco, a passos largos. Sua pressa fluía na medida de sua ânsia.

Parou no primeiro bar que cruzou. Sentou e pediu uma dose de bebida. Pensou com seus botões adormecidos: "Bem que podia existir uma garrafa inteira de loucura. Iria me embebedar."

Ficou ali bebendo, tecendo pensamentos absortos enquanto o líquido escorria ardido por sua garganta. Fios de imaginação levavam-na para bem longe daquela estranha e previsível realidade.

Imaginou-se caminhando nua na rua, as pessoas olhando-a chocadas. Descobriu-se transando com o primeiro desconhecido que lhe abrisse um sorriso. Desejou sair com o carro pela estrada sem direção e só pararia quando a gasolina acabasse. Dormiria no meio da estrada tendo como sua companhia as estrelas do céu.
Fantasiou aquela praia de água azul e um beijo salgado sobrevoando seu desejo adormecido. Viu-se dançando livre feito pássaro feliz que sai da gaiola, sem regras, apenas deixando que o corpo a levasse para onde bem entendesse. Pensou na dor nos músculos de seu ventre, após rir horas com alguma situação engraçada que tivesse causado.
Reconheceu-se chorando por algum amor perdido e sem solução; as lágrimas roubando o resto de sanidade que habitava em seu corpo. Imaginou-se amando loucamente, onde tudo e simplesmente tudo, girava em torno da paixão, tirando-lhe qualquer traço de solidão e ordem que pudesse existir anteriormente. Só existiria ela e aquele homem, sem nome e sobrenome, mas com coxas, peito, abdômen e membro. Só existiria pernas, enrosco, saliva, desejo, lascívia e brilhos reluzentes da troca de olhares na escuridão.
Transportou-se para outro país, meditando ao passear sob as ruas, ouvindo desconhecidos falando uma língua totalmente desconhecida.
Quis viver outros anseios, outro corpo, outra vida, outra parte de si mesma que não aquela previsivelmente patética.

Voltou trôpega para casa.
Dormiu.

No dia seguinte encontrou o vazio. E todas as outras atividades e obrigações que alguém, ou talvez ela mesma, impôs.


Sorriu. Talvez a paz estivesse ali.
Chorou. Talvez o inferno estivesse ali.
Ela só queria encontrar o equilíbrio entre o nada e o tudo. A gota diária de loucura, que nos faz sentir que somos um pouco mais do que nossas tarefas e o comportamento viável que esperam de nós. Aquilo que nos faz sentir pulsantes e vivos a cada respiração.

Encontrou o questionamento. Tranquilizou-se. Ele viria resgatá-la do cativeiro de si própria, da dormência emburrecida, da inatividade, dos dias iguais e pálidos, esperando cor, sabor, amor e um pouco mais...só um pouco mais de insanidade.

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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Grãos

Picasso
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É o desconhecido,  regente de uma orquestra silenciosa,  quem invade as fibras que tecem as várias camadas de cascas que vamos criando por sob o núcleo.

O tempo leva para longe, assim como grãos de poeira, os significados mais preciosos de outrora. Quem tanto te fez sorrir, hoje já não mais é capaz de trocar duas palavras sinceras. Quem tanto te fez chorar, já não mais amanhece colado ao coração quando se desperta. Alguns desenlaços causam dor; outros vão lentamente se extinguindo feito chama que se apaga com o tempo.

Tudo se ressignifica. Devemos dar adeus na partida? Saudações na chegada?

Se pousarmos os olhos no mar e ali  permanecerem estáticos, nada parece se modificar. Mas a lua sabe que a maré muda conforme seu olhar; seu humor dita os redemoinhos profundos que o movimentam.

Tudo se modifica lentamente. Às vezes tão devagar, que nem sentimos. Mas assim que os olhos se abrem no susto, os grãos que compõe a areia debaixo dos nossos pés, não são os mesmos.

No instante em que constatamos a mudança lenta e gradual, não devemos nos assustar. A nostalgia só nos levará ao beco das situações não resolvidas. Há de se parar e respirar o novo ar! E deixar que os novos grãos de areia façam graça em nossos pés. E rir do vai e vem contínuo e previsível do mar. Se encantar com seu azul, e sorrir, sorrir até enjoar!

Neste momento, em que sinto meus pés rirem, constato que não os mesmos grãos de outrora, percebo o desconhecido à minha volta. São vários. Me oferecem partículas de amor cheias de luz, alimentam-me com novos nutrientes.

São fatídicos ou reflexivos, são precoces ou sombreados, são simples ou engraçados. São mais que presenças ou adjetivos. São novos amigos que a vida oferece, os novos grãos nos pés fazendo graça, novos significados que se abrem como flores na primavera.

E os antigos? Talvez permaneçam em algum lugar e voltem, talvez voem para bem longe, não importa.

O que importa realmente, é se ainda há a capacidade de abrir frestas enluaradas, para que olhos curiosos e carinhosos, espiem. E se chegam ao núcleo, se decifram meio sorrisos ou olhares na foto, se decifram sonhos por detrás de singelas palavras, são capazes de adentrar por completo.

Estou aqui. Metade de mim, é o que vivi, os que amei, os que ainda amo e tiveram ou ainda possuem seu significado. Mas a outra metade é uma imensa fresta, esperando para que mil olhos me leiam e adentrem.

Sou toda imensidão à espera de novas imensidões a me penetrar, para então assim, compor um novo universo a desvendar.

Se sou o que sou, é por ter abrigado tantos em mim.

Ao longe, a orquestra silenciosa toca uma melodia de amor. O mesmo amor, que se manifesta de tantas e maravilhosas formas.

Só sente, quem é céu aberto de estrelas.

Sente?
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Dedico ao desconhecido, esta maravilhosa orquestra a reger nossos corações! À Alisson da Hora, quem soprou as primeiras palavras deste texto, e aos outros "desconhecidos" que assim como ele, hoje compõe meu céu de estrelas, Alexandre Nunes, Ronaldo Coelho, Gustavo Mazzarão e ao Leandro Novellino.
Obrigada por tamanha amizade e chuva de alegria que todos os dias me ofertam generosamente.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

A prima Vera.

Monet
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Esse ano ela chegou mais tímida. Mais calada que o normal. Mas mesmo assim, foi recebida com festa e alegria, como todos os anos a recebemos. A prima Vera, é muito querida da família.

Quando criança, não entendia muito bem o porquê de tanta euforia. Bastava recebermos a carta com sua letra redonda e doce, nos dizendo que estaria em breve em nosso lar, a casa agitava-se; mamãe começava os preparativos para a grande festa da chegada da prima mais querida de todas.

-Mamãe. A tia Vera vai chegar quando? Ela terá estômago para comer tudo isso e saborear tantos doces? Por que tantos balões coloridos?

Mamãe gentilmente me corrigia, mas sem tirar os olhos do bolo que recheava feliz:

-Filhinha, não é Tia Vera. É a prima Vera! Ela é muito especial para todos nós da família. Ela traz sempre muitas flores, distribui sorrisos, aquece nossos corações com esperanças renovadas, é uma presença muito requisitada por todos.

Fez uma pausa e resmungou algo sobre o glacê que decorava o bolo. Trocou a espátula e continuou apressada:

-Ela mora muito longe. Onde nunca conseguiríamos visitá-la. E ela só vem uma vez ao ano e permanece conosco por pouco tempo. Sentimos muita saudade quando ela se vai, mas ficamos ansiosas à espera de que o ano voe. E ele sempre voa; quando menos esperamos, ela chega radiante para nos encher de alegria.

E todos os anos era assim. Eu acompanhava a sua chegada. E era motivo de alegria, pois tínhamos festa quase todos os dias! A casa estava sempre cheia, a mesa sempre farta, os vizinhos entravam e saíam como se fossem moradores.

Só quando fui ficando mais mocinha, é que entendi porque a Prima Vera era tão querida. Ela nos deitava em sua saliente barriga, e nos ninava até pegarmos no sono, contando histórias de sua terra longínqua. Fazia doces, brincava exaustivamente conosco no parque, nos mimava até enjoar.


A prima Vera chegou este ano mais calada que o normal. Mais tímida. Mas mesmo assim, foi recebida com muita alegria.

Eu, tão atarefada, não dei muita importância, como fazia. Mas a recebi com um abraço carinhoso.

Entretida em vários pensamentos, tecia fios sob as feridas, sob os vários rombos de incompreensão na camisa da vida. Costurava inquieta. Outras vezes me cansava de remendar e parava olhando dispersa para o horizonte.

Num desses momentos, a prima Vera chegou sem que eu percebesse e sentou-se ao meu lado.

-Menina, o que fazes?

-Prima querida, costuro essas camisas com tantos rombos. Elas foram maltratadas por atos de desamor e impulsividade.

-E por que não compra camisas novas?

-Por que sinto que só terei paz, se remendar meus velhos erros.

-Paz? Você quer ter paz?

-Sim, prima. Estou às voltas de mim mesma, remoendo meus tristes atos e os desafetos que não fui capaz de transformar.

A prima Vera riu, e eu pude enxergar o velho brilho do seu olhar a acariciar meu sorriso. Me deitou em seu colo e disse:

-A paz... você quer saber do que é feita a paz?

Assenti com a cabeça.

-Comece fechando os olhos. Respire. Esqueça. Absolutamente tudo. Não existe o passado e tampouco o futuro. Só o hoje. Só esse instante. Encha os pulmões de ar. Tudo que puder sorver. Quantas vezes for necessário para que sinta renovação de sopro em sua vida. Agora, vá em suas feridas. Não dê atenção a elas. Precisam de tempo e esquecimento, apenas isso. Caminhe até os sonhos. Como eles estão? Empoeirados? Ou estão jogados e maltratados num canto? Pegue um por um, e limpe-os. Arrume-os. Cante para eles. Abra as janelas. Deixe o sol entrar. Permita que a luz desintegre o bolor e as raízes de tanto medo e desamor.

-Prima, tem um baú que não consigo abrir. Está tão trancado! E tem um sonho, que já estava limpo, como se estivesse sendo usado, que de repente foi arremessado contra a parede. Peguei cuidadosamente e tentei cantar para ele. Mas a minha voz não sai! Não consigo mais cantar!

-Não chore menina! Calma... há a hora certa para que tudo se abra, para que o som volte a ecoar. Se concentre na limpeza. Percebe como tudo está mais limpo? Como agora podemos nos permitir habitar este lugar?

Assenti com a cabeça.

-Agora vá até a janela. Vislumbre o horizonte. Imagine os raios de sol penetrando em cada pedacinho do interior do seu quarto. Sinta o astro tocando sua face e aquecendo seu coração. Ele te enche de energia. Te dá coragem, e... um par de asas!Você agora tem um par de asas! Voe! Para longe! Para onde se sente feliz.E quando voltar tenho certeza que o sol terá cuidado de cada pedacinho do seu quarto. Conseguirá cantar para cada um de seus sonhos. Conseguirá sorrir e abrir cada baú trancafiado pelo medo.Voe!

Mais leve e de olhos fechados, me vi sobrevoando o azul do mar.


Escutei a voz da prima Vera  ao longe me dizendo:

-A paz, é isso! É a capacidade de sobrevoar as feridas, é se encher de ar no sopro da vida, sorrir e prosseguir feliz! Voe! E quando pousar, não se esqueça de agradecer...e viver!

Voei para muito longe. Às vezes é preciso se perder, para então se encontrar.

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segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Um brinde!


Trisha Keiman

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Um brinde!

Aos insatisfeitos!

Aos que tem fome!

Aos que tem sede e àqueles que dormem com um buraco no peito e acordam com ânsia de sentir.

Àqueles que gritam e esmurram o ar, procurando por respostas. Àqueles que silenciam e se acalmam, esperando as mesmas respostas.


Àqueles que buscam um sentido maior para as suas vidas. Aos que olham tudo com sorrisos e sorriem com olhos brilhantes à tudo ao redor.

À vida tão magnífica pairando perplexa, sobre nossos pés tão inseguros da caminhada. Eles se cansam, se maldizem e às vezes se magoam, mas continuam incessantemente caminhando. Às vezes param e sentem os ventos mudando de direção, mas não se cansam de procurar o caminho da própria redenção, o caminho libertador por cada única e individual felicidade.

Um brinde!

Aos intensos, que passam pela vida, mas não deixam a vida passar.

Aos que amam, sem pudores ou subterfúgios. Por quem sorri e não se cansa.

Aos profundamente enraizados de emoções.

Aos complexos. Aos que desbravam a própria selva e se entregam.

Àqueles tão imprevisivelmente previsíveis.

A todos que sorriem e choram, mas não o fazem sem mais ou menos; fazem com toda a alma, calma e fúria que são capazes.

Aos que não tem medo de viver, e de viver permeando sua sombra e luz. Àqueles que apesar das feridas, ainda não perdem a esperança, o viço, a curiosidade da criança, o sorriso e o orgulho no peito.

Peito aberto, braços abertos de quem sabe que a vida é maravilhosa de ser plenamente vivida!

Um brinde.

A nós. Aos nós.

E aos tantos laços e estilhaços de minha morada.

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quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Silêncio eloquente

Salvador Dali
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Quando as palavras já não expressam.
E qualquer pronunciamento parece oco e sem sentido.

Quando o infinito descaminho parece ser o que lhe resta.
E qualquer lágrima já não atesta tristezas...

Silêncio.

Não qualquer silêncio. Nem o vazio inexistente de pensamento.
O silêncio eloquente.

Aquele que tudo fala, tudo sente, tudo deseja.

O silêncio profundo, quase como uma prece.

E a pressa? E a razão? E o sonho? E o coração?

Nestes dias estranhos, apenas me calo.
Reparo na gota de orvalho que pousa na rosa.
Quanta beleza e tristeza!

Assim que os primeiros raios de sol despontam, evapora o orvalho amanhecido em esperanças de sobrevida.

As palavras d´alma também evaporam para um novo mundo desconhecido. Onde será que renascerão?

Lá, espero sorrir.

E dizer:

-Estou feliz de estar aqui.

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domingo, 5 de setembro de 2010

Aborto


Frida Kahlo
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O coração acordou pesado feito as nuvens escuras no céu.

Foi abortando, pouco a pouco, as belas promessas de um horizonte radioso.
Um dia, foi difícil diluir em gotas de saudade, a negação do amor não vivido.
Depois, o desejo não concluído.
Agora, o que mais havia de mais precioso e que havia os unido.

Sim, a tristeza ia passar. Desabar em gotas de chuva lágrima escorrendo pelas ruas da incompreensão.
Mas a mágoa, a velha caquética rangendo de dor, demoraria a morrer em paz.
E a inconformação de uma velha ferida que nunca deixava de sangrar, talvez um dia encontraria resposta.

As palavras ficaram assim, jogadas ao relento... como os sonhos, a fé, o feto abortado do melhor que poderiam ser.

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terça-feira, 31 de agosto de 2010

Da minha boca? Nada.

Picasso
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Da minha boca? Nada.

Talvez do meu sorriso de canto
Do meu olho chispando fogo
Da leve tensão facial que se cria
Do sonho no fundo da teoria
Da melodia e do silêncio.

Mas da minha boca, nunca mais.

Nem ais, nem sais, nem o açúcar
Muito menos o mel e o néctar
Nem a chave de meus portais.

O que permanece é um intruso.

Um inquilino folgado de horas covardes
Abrindo a geladeira
Deixando pingar água da torneira
Desarrumando a cama
E pendurando o quadro inerte.

Com sinceridade?

Não há parte que haja sol
E nem parede que não arda em calor
Mas aqui não há essa insolência que preparou
Nos teus arcos encharcados de desamor.


Com sinceridade?

Eu fecho a boca e expresso com o resto
E se para alguma coisa ainda presto
Eu afirmo sem sombra de dúvida
No ato gêmeo da meia verdade
Eu minto para você
Você mente para si.

Mas perdoe-me e não se irrite
Se não deixo de perceber
A sua pele arder
O seu gosto querer
O seu rosto queimar
E a sombra da dúvida no seu olhar...

Negue-me seu amor para sempre
Mas não negue o que simplesmente sei.

Se nos enxergamos com olho de rei
Somos cegos ao nos recusar
E se eu ainda enxergo o teu querer tão manco
Me espanto!

Você nada tem para me oferecer.

É raso, feito prato sem comida
E ainda responsabiliza a lista
Dos requisitos não preenchidos.


Apenas deixe minha boca calar
O que a sua nunca teve coragem de confessar
Continuarei advogando no processo
De expulsão do intruso tão obscuro
Me livrarei da saudade das coisas sem futuro
Mas tão deliciosas, para não serem paridas

E esse dia chegará...
E esse dia será... primavera!
Verás... primavera em meu coração.

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sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Rosa Carmim


Salvador Dali
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Um dia, tão entretidos na pétala, perderam-se dos caminhos.
Um dia, tão perdidos na inércia, feriram-se com os espinhos.

Rosa Carmim foi despetalada.

Chatearam-se com a pele que fora rasgada.

Acusaram-na de revoltada.

Rosa Carmim chorou orvalho ao amanhecer,
Tão incompreendida e pálida em seu ato falho.

Com o raiar do sol em luzes tão reconfortantes,
Percebeu que deveria exalar mais perfume e instante;
Pediu ao seu jardineiro para voltar a lhe cuidar:

-Ficarei feliz se puder voltar. Só não se esqueça de luvas usar. Farei questão de sempre  florescer e exalar o meu melhor aroma às noites. Mas os espinhos estarão sempre lá, a não ser que tenha amor e paciência para retirar, um por um, sempre feliz a cantar.

Rosa Carmim sorriu.
Haveria sempre alguém para reconhecer toda a sua beleza e incerteza.
  Toda a contradição e a paixão de uma flor tão comumente especial.
 Impossível negar os espinhos intrínsecos de sua essência.
Já abrir-se em amor, era o ato mais comum e indescritível de sua presença.

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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Sina

Leonardo da Vinci
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Minha sina é 'estar' Monalisa.
Mas preferia bem mais um quadro de Frida.
Se esta vida me obriga ser mais ' da Vinci' que 'Kahlo', me calo e pago o pato da mudez perspicaz.
Me tingirei de pastel pálido.
Que saudade das cores!
Que saudade do carmim, que tanto me representa!
Que saudade das tintas fortes pingando e espalhando o melhor e pior de mim!

O sorriso se mantém calado, misterioso em significados.
As mãos aprisionando os famosos gestos tresloucados.
A loucura, respirando disfarçadamente por debaixo da feição santa.

A alma em constante ebulição esfria... e espia sorrateira.
Sorri Monalisa e respira Frida.

Hoje pétala. Amanhã espinho.
Só para preservar o caminho de uma alma.
Minha alma para sempre...carmim.

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domingo, 22 de agosto de 2010

Cazuza me entenderia

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Cazuza me entenderia.

Se estivesse aqui na minha frente, após o meu destilar de mágoas à respeito da minha vã intensidade beirando a idiotice, ele riria alto e livre, fumando seu cigarro e mexendo o copo de vodca na mão.  Me perguntaria:

-Que dia nasceu?

-Eu nasci dia 3 de abril, Cazuza.

Sua risada, soaria cínica e sonora, mas acima de tudo, compreensiva. Ele diria, divertido:

- Eu nasci dia 4 de abril, menina. Sou ariano. E ariano não pede licença, entra, arromba a porta. Nunca tive medo de me mostrar. Você pode ficar escondida em casa, protegida pelas paredes. Mas você tá viva, e essa vida é pra se mostrar. Esse é o meu espetáculo. Só quem se mostra, se encontra. Por mais que se perca no caminho.

-Eu devo me perder no caminho para me encontrar? - perguntei, ainda com a lágrima tola escorrendo, borrando o rímel no olho já sem brilho.

- Você deve se jogar, menina. Naquilo que acredita, naquilo que respira. E respirar, respirar. E se amanhã lhe faltar o ar, não se importe. Apenas vá atrás de outro aquário que te ofereça oxigênio. Mas nunca deixe de respirar, jamais seja como as outras pessoas que merecem piedade, pela caretice e covardia de viver do mesmo.

Ao ouvir as palavras duras e ao mesmo tempo de uma extrema doçura, que só um ariano é capaz de pronunciar, toscamente me vi chorando ainda mais. A alma dele me oferecia colo. Me senti ninada por aquele espelho projetando o melhor de mim.

-E o amor, Cazuza? Onde fica o amor? O que fazemos com essa pedra no sapato que nunca se importa de ferir os pés?

-O amor é o ridículo da vida. A gente procura nele uma pureza impossível, uma pureza que está sempre se pondo, indo embora. Sorte é se abandonar e aceitar essa vaga idéia de paraíso que nos persegue, bonita e breve, como borboletas que só vivem vinte e quatro horas. Morrer não doí. Amar sim. Não adianta desperdiçar sofrimento por quem não merece. É como escrever poemas no papel higiênico, e limpar o cú com os sentimentos mais nobres.

Foi um tapa. Na cara? Não. No sofrimento imbecil de toda a incompreensão alheia. Cazuza me entendia. E se Cazuza oferecia sua bandeira de conciliação e conforto, por que chorar?

Enxuguei as lágrimas. Pedi a ele com os olhos que me cantasse uma canção. Prontamente, ele pegou o violão. Dedilhou hesitante, soltando pensamentos com o passar dos dedos nas cordas. Depois olhou-me por detrás dos óculos que já não mais se importava de usar, e disse:

- Menina, menina. A vida é breve feito uma canção. E única. Não a desperdice em vão.

E começou a cantar uma das melodias que eu mais gostava.

♫"Pra que mentir, fingir que perdoou..."♫

Chorei bestialmente. Às vezes eu tinha a plena certeza que eu era feita de metade sal e metade água. Como tanta lágrima podia escorrer de um ser de carne, osso e amores iludidos?

No final, ele me fitou sério, como se lendo cada letra do meu rosto escrevendo poemas nas expressões proferidas. Eu ri, adivinhando seus pensamentos. "Chega de chorar, né?" Assenti com a cabeça e por fim, pedi com carinha de criança:

-Eu vou me deitar aqui e me cobrir com a sua melhor canção. Ela vai me confortar durante essa noite, vai  sussurrar no meu ouvido as melhores palavras de esperança. Cante para que eu possa dormir, Cazuza. Só você me entendeu neste dia frio. Cante para mim, com e por todo amor que houver nessa vida...

Fechei os olhos. Abri um sorriso quando ele começou:
"Eu quero a sorte de um amor tranquilo, com sabor de fruta mordida..."♫

Meu dia haveria de chegar. E é preciso saber esperar. Lutei para que não tirassem o sorrindo da canção. Eu sabia que esperar sorrindo, é mais importante que apenas ficar parado, aguardando uma solução. Como uma boa ariana como Cazuza, a gente chora, berra, se desfaz e destila a loucura. Mas nada retira o brilho, a fortaleza e a cura do sorriso sempre tão limpo e lavado. Sincero.

Dormi profundamente com o Cazuza me acariciando com a canção.

♫"Pra poesia que a gente não vive, transformar o tédio em melodia...ser teu pão, ser tua comida, todo amor que houver nessa vida, e algum remédio antimonotonia."♫

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domingo, 15 de agosto de 2010

Aceno

Klimt
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Algo respira tímido, mas com fôlego nos pulmões. E aquele velho adeus, está sempre quase pronto no aceno do sonho, mas parece um eterno ensaio sem data para estrear.

É um sagrado e malvado abster; é quase semente que espera passar o inverno e chegar a primavera, para enfim brotar forte e seguro de novos dias acima das profundezas da terra.

A lágrima que cai triste, também guarda as cores do arco íris; assim como lhe contou a fé que existe dentro das melhores aspirações.

Nesta vida, tudo é transitório. Saber olhar pela última vez para todas as coisas felizes ou infelizes e prosseguir é um ato que compõe a trilha da felicidade.

Se as palavras estão cada vez mais gêmeas, paridas de almas que anseiam pelas mesmas rimas e canções, talvez seja apenas uma coincidência.

E acreditar na coincidência de todas as causas inexatas do destino, não me conforta. É um peso nas costas, como se a predestinação fosse uma obrigação em dias de sol ou chuva.

Chuva...não é de hoje que venho pedindo para que ela molhe meu coração ressecado por desilusões.
E que o sol volte a aquecer a gélida neblina que encobriu o sorriso do amor.

Mas o melhor de tudo, é que o fôlego permanece intacto à espera dos atos de fantasia e poesia.

Respiro.

Há de se respirar eternamente. Há de se esperar eternamente.

Quem morre para a esperança, morre para seus sonhos.
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Labirinto

Salvador Dali
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E se eu me perder, tentando achar o portão no labirinto do seu coração?

Que eu me perca!

Que eu me jogue ao chão, espalhando meus cabelos no teu corpo nu.

E que no enrosco de pernas e bocas, o frio veja o reflexo do calor através das nossas faces rubras de desejo.

E quando partir, que eu possa ainda sentir tuas paredes frias e me embrenhar nas suas fantasias, em cada lâmpada que acende quando a noite chega.

E quando voltar, que voltes branco como a lua, para me encher de gozo na madrugada das ruas dessa paixão.

E ao amanhecer, entre lençóis e raios de sóis que brotam por detrás das montanhas de nossos corações, sejamos mais a sós, mais sorrisos e gentilezas. Que a alegria seja nosso combustível.

Arranca-me em camadas, deixa-me nua, coma-me crua.

Desabrocho aos seus olhos, e já nem me importo.

Sou tua nessa rua de paralelepípedos.

E se um dia acabar -como tudo um dia se acaba e se transforma- eu terei vivido. Poderei espalhar pedacinhos de uma história completa: começo, meio, fim e mais um milhão de descobertas.

O mais importante de estar junto é o que se apreende para si.

Mais valioso do que achar a saída deste labirinto, é se perder; para então se encontrar.

Mas saberei sem arrependimentos que vivi entre as brumas do seu coração.
E que desbravou da relva até a selva da minha alma- carmim- espinho -pétala.

Se a rua é comprida, eu não sei.
Se a rua tem casas, eu não vejo.
Se a rua tem nome, não leio.

Mas é rua.

Dilua-me no caminhar do desejo.

Estou líquida.

Venha beber. Venha vi-ver!

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quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Apreender


Salvador Dali
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Aprender.

Apreender.

Como pedrinha preciosa nas mãos, apreendo cada pedaço de saberes espalhados, nos tantos lagos que compreendem os rios que um dia desembocarão no mar infinito do conhecimento.

Um dia, podem roubar sua liberdade. Seu dinheiro. Sua saúde, paz, seu amor ou dignidade. Mas o conhecimento nosso de cada dia, aquele que adquirimos em cada experiência viva e pulsante e que se transforma em sabedoria, ninguém nos tira. É único. E para a alegria daqueles que amam doar, o conhecimento é transferível e passível de se multiplicar. Eis a dádiva de ensinar.

O mundo tão infinito e majestoso, se processa numa velocidade e quantidade que jamais apreenderemos por completo; exceto as pequenas frações daquilo que nossos corações mais anseiam e lhe fazem sentido, que serão engolidos.

E apenas os ouvidos e olhos mais atentos é que absorverão pequenas porções do conhecimento. O mundo está aí para ser digerido com toda a nossa melhor fome.

Que a fome nossa de cada dia sempre exista, que jamais sejamos apenas um nome jogado ao relento das oportunidades que se foram.

O nosso melhor, é o sol de cada dia quem nos dá.

E que ele sempre seja reluzente em nossos corações.

Eu quero morrer, sem jamais perder a fome por apreender.

E aprender, será sempre apenas uma consequência natural da curiosidade volátil em sobrevoar o horizonte infinito ao nosso redor.

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Apenas um mimo em palavras, como lembrança da alegria sentida ao pisar os pés nesse novo momento da minha eterna busca por apreender o saber.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Antídoto

Nicoletta Ceccoli
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A extensão de uma eternidade.
É muito para você percorrer?

O alcance das estrelas.
É alto demais para você?

Um sopro
Um grito
Um sussurro
O infinito
É possível para você?

Em círculos, em vícios
Em qualquer lugar
Que não esteja
Em algum lugar
Que não esteja

A mágica da vida
É saber dar sem receber
Mas como não chorar,
Se somente sobra falta?

Talvez eu deva me perder
No caminho da redenção
Mas o que farei,
Se ainda assim encontrar?

Um porto
Uma palavra
Uma chave
Uma saudade
O aconchego do seu olhar...

Veste a minha loucura
Que eu calço sua certeza
E jura que não me nega
A posse da minha cura

E se eu extrair o antídoto do esquecimento, no veneno do teu desejo?
E se eu me distrair no passeio louco do vento, que sopra do teu beijo?

Mas jura que não me nega
A posse da minha cura...
Mas jura que não me nega
O antídoto da tua mistura...

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Para todos aqueles que amei e que jamais foram capazes. Para aqueles que amarei, e jamais serão capazes. A extensão de uma eternidade e o alcance das estrelas é para quem persegue o além e ama  brilhos mortos estelares. Eu quero continuar perseguindo; jamais fugindo daquilo que me faz sentido. Até o dia que sempre finda qualquer murmúrio abafado do mundo do amor. Até o dia que outro brilho louco de um olhar, me cegar...
Cega, seguirei...intensa e serena como sou capaz de ser. Talvez inesquecível, talvez imperceptível. Talvez, indecifrável em minha grandeza escancarada. Mas sempre, unicamente eu e pra sempre eu.
E feliz, mesmo que a felicidade me escape às vezes, quase que por um triz...

domingo, 25 de julho de 2010

Coração universo

Nicoletta Ceccoli

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Imagine um poço. Fundo... mais fundo que toda a extensão infinita do universo.

Há de se imaginar o que lá habita. Há de se imaginar a profundidade que dita o mistério de todos os mistérios. E por mais que a inteligência seja capaz de prever, ou de chegar perto de todas as respostas, a vã filosofia de nossa existência, nos condena à uma pequena partícula de todas as verdades. Impossível saber. Impossível ser onipresente. Impossível ser onisciente.

E qual a chave que abre o portal de todos os segredos ocultados por um misterioso advir de eternidade? E qual a chave da saudade?
E qual a chave da sanidade destes dias sem sentido?


E do que é feita esta saudade que não tem sobrenome, tamanho, não cabe numa caixa, não tem cor ou sabor, nem suporta a dor da falta de destinatário?
É uma saudade que nem existe no dicionário.

A saudade das coisas que jamais aconteceram. Dos momentos ocultados, jamais revelados por um sopro de realidade. Sobrevoaram na imaginação, sonhando um dia tocarem o chão.

Queria apenas, voar... e lá em cima, ser capaz de tocar as nuvens. Colorí-las com pequenas alegrias. Enchê-las de água, com algumas tristezas. Relampejar, para chocoalhar mentes e corações limitados.
E lá de cima, enxergar o poço. Enxergar além da superfície tátil de todas as coisas que não fazem sentido. E lá no fundo, encontrar o seu sorriso. O sorriso da minha saudade e da minha paz, ainda sem destinatário, mas digno de todos os bons sentimentos que alguém é capaz de entregar.

Um dia, fruto desta saudade sem nome e sem tamanho, eu receberei como um presente divino, a chave do portal que abre todas as verdades ocultadas. Elas todas serão reveladas;  açucaradas ou não,  mostrarão o caminho de toda a sabedoria da vida.

Provo a bebida da ignorância. Não saber, pode ser injusto. Mas desconhecer detalhes do que lhe é ocultado pelo destino, pode aliviar os caminhos e promover o arbítrio. Pode trazer mais chuva, em dias de calor, e mais sol em dias de frio.

A verdade, cortante como uma faca, liberta. Mas acorrenta, os corações mais amedrontados pelo 'não saber viver'.

Quando acordar, quero apenas sorrir e chorar. Saberei que estou longe, muito longe do poder de Ser. Mas muito perto, perto demais de Estar. E que ser e estar, só vai depender da minha capacidade de sorrir e chorar, sem medo de sorrir; e novamente, sem medo de chorar. Sem medo, principalmente, de re-co-me-çar.

Recomeço.

Meço meu coração. Ele tem o tamanho do universo. Porque é digno, de cair e levantar. De sempre, sempre, sempre, sempre re-mo-çar.

Remoço.

E o poço?

Já não importa mais. Enquanto vida for vida, jamais saberei a dimensão do profundo oculto do tudo.

Contento-me então, com um coração universo.
Ele é do tamanho do que eu acredito.

E no que eu acredito?

Eu só acredito no amor.

Só o amor me faz acreditar. Ainda há?

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sábado, 24 de julho de 2010

Saciar

Van Gogh
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Era mulher no portão às quatro horas da tarde; em uma hora que o sol já não mais arde, porém morosamente inicia a suave despedida.

De vestido carmim, sandálias ocre e cabelos cor de mel, ela ardia como céu inundado de fantasia rubra do entardecer.

Esperava há horas a saciedade  lhe visitar. Alguém lhe disse que chegaria após o sol baixar.

Logo, a noite chegaria enluarada, se despindo do dia e se enudecendo. Convenceria com suas sombras de luz, que estamos sedentos de todas as paixões latentes no ar; as paixões prontas para eclodir em reflexos.

De minuto em minuto, esperava.

E a saciedade não vinha. E de espera em espera, e de batida em batida do pé acompanhando sua impaciência, a saciedade mandava recado, mas não aparecia.

Quando a noite caiu, cansada, virou-lhe às costas. Foi buscar no poço da saudade, que ficava no quintal de sua casa. Chegando lá, descobriu que aquela água já não mais existia.

Estava na hora de caminhar. Quem sabe lá na frente, ela não veria um céu de estrelas cintilantes sorridentes, na forma de dois olhos a lhe fitar...

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quarta-feira, 21 de julho de 2010

Laços e estilhaços

Nicoletta Ceccoli
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Compartilho a tua dor.
Como vidro quebrado, estilhaçada por uma verdade que lhe foi negada.
Compartilho a sua incompreensão.
As dúvidas permeando às margens do seu coração, dia a dia.

Compartilho tua solidão.
Estive no  escuro das tuas piores lembranças de infância para te confortar.
Compartilho a sua ação.
De expor olho no olho, o que já  não podia suportar.

Compartilhava mesmo antes de saber.
Já imaginava, que se viesses a conhecer todos os mistérios que rondavam assustados com medo de serem descobertos, não haveria muito o que compartilhar.

Compartilho cada lágrima decepcionada.

Se a raiva te permitir acreditar, compartilho cada parte que te machuca.

Só não compartilho a raiva. As palavras ásperas carregando julgamentos pesados de caráter ou intenção. Não compartilho a negação de tudo de bom que já lhe ofereci, todos os sorrisos que te fiz sorrir, e todo o amor que eu dediquei, mesmo que cegas de irritação, ouses dizer que não.
Não compartilho sua expressão. Fria, distante e fechada para uma verdadeira aceitação. Insensível aos possíveis motivos, aos meus temores de preservação do que agora me é negado.

Se a vida é tão unilateral da maneira como enxerga, eu quero me transportar pra outra dimensão.

Onde haja, apesar da dor, um sopro de respiração por mais compreensão.
Onde haja, apesar dos erros, possibilidade de amanhã se tornarem acertos.
Onde haja, apesar da ferida, mais um pouco de vida; a alegria de dias mais felizes.

Nego a culpa. Mas não omito meu erro. Apenas os coloco dentro de uma caixa ampla e colorida; a caixa dos erros coloridos das melhores intenções.

Se a minha fraqueza é a covardia e a hesitação da verdade, talvez a sua seja a hesitação da compreensão e excesso de coragem. Julgue, puna, magoe-se, remoa, condene. Não posso te negar esse direito.
Mas dê-me o direito, de não compartilhar a expressão superficial e passional que jorra de ti.

E se o que ofereço de mim, essa imensa e complexa rede de ventos, não te for aprazível, lamento. Fique com a última e amarga lembrança e negue as outras trocentas tantas boas que ofereci.

Cada um enxerga a vida como bem prefere sentir.

Guardarei as boas lições e  alegrias que me concedeu.

Guardarei o seu sorriso, que pra mim é a única coisa que salvaguarda, dentro da insensatez que se instalou.

Guardo os laços, e nego os estilhaços. Prefiro guardar o que ficou de paz.

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quinta-feira, 15 de julho de 2010

Eu, que só desejei me encher de felicidade...

                               
                                                             Nicoletta Ceccoli
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Talvez passe... assim como todas as coisas passarinho que voaram sobre minha cabeça comendo minhocas, e depois foram para longe.

Mas a dor, enquanto algo em carne viva sangrando abundantemente, só encontra refúgio nas palavras.

Alguns vão dizer sobre meu exagero. Outros sobre a minha insistente expressão dramática. Outros falarão do ego arragaido que escurece a minha visão empática. Alguns falarão sobre a superficialidade marcando as pegadas da minha existência. Outros falarão da minha tola superioridade e rirão de tamanha aberração. Outros falarão da minha insistência na inverdade.
Um ou outro sorriso, será compreensão.

E é pra estes que escreverei. Primeiro, escreverei por mim. Nada mais natural, já que sou, como constataram, um ser vidrado no meu umbigo e completamente apático ao meio circundante.

Se não há utilidade em minhas palavras, que tenha serventia ao meu próprio expurgo.

Ser dissecada em cima de uma mesa fria, não é algo que cause prazer. E muita análise, pode trazer uma interferência drástica do superego em nossa psíque, através do sentimento de culpa.

Sinto que há um certo prazer sádico em culpar e achar culpados. Alguns chamam de justiça. Os dedos apontam numa só direcão. Risadas soam cínicas, falando por trás de algo que não possui dimensão e nem pode ser analisado pela superfície.

Isso é o que mais causa dor. E todos os abraços que eu dei? E todos os sorrisos que gentilmente distribuí? E os ouvidos preocupados e estavam atentos às histórias de cada um? E todas as vezes que pronunciei a palavra amizade?

Amizade.

........................

O cursor pisca esperando o dedo digitar as próximas palavras, mas não aparece nada. Fica ali, a palavra soando no meu sentir, raspando seu significado nas paredes arranhadas.

O que mais dói, junto com todas as outras dores que dóem muito, é este baú que tanto tentei preservar, ter sido escancarado e jogado ao mar com todo o seu conteúdo.

Dói também, tudo ter sido em vão.

Dói, não acreditarem no meu intuito digno.

Dói, as bocas que não escolheram palavras e jogaram larvas nas minhas melhores plantações.

Dói, o meu medo que paralisou a  luta pela verdade.

Dói, acreditarem que não houve importância.

Dói, só perceberem o absurdo, e não a mágica do sentimento que brotou.

Queria ser um furacão.
E destelhar as casas;
E quebrar os vidros;
E suportar os riscos;
E romper a maldição.

Queria voltar no tempo, e jamais ter me deixado levar por ondas tão aparentemente seguras em águas sedutoras.
Nenhuma mereceu sequer um terço das lágrimas que derramo hoje e as outras morimbundas que escorreram no passado.

E por mais que eu tente não acreditar que foi pecado, sempre há o outro lado acusando meu lado torto.

Juro, estou cansada. Cansada de ser julgada por corações ocos, que ouviram de minha própria boca os meus murmúrios desejosos de felicidade.

Quem eu mais me importo, já não mais se importa.

Se há alguma espécie de alívio ou redenção, deixo aos seus pés o meu lamento. Tudo que não fiz foi fruto das melhores intenções.

Não há conforto para a minha dor, mas eu sei que a cada escolha a vida nos obriga à uma renúncia.

Renuncio o que restou.

Restos. Se ainda resta sobrevida, deixem-me engolir o restante da minha dignidade.

Deixem-me.

Vou chorar para sempre saudade da  amizade que se foi.
Vou chorar para sempre saudade da verdade que um dia acreditei existir.

Eu, que só desejei me encher de felicidade...

Hoje, choro de saudade.

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Últimas palavras.
A novela  acabou.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Só a verdade liberta

Salvador Dali
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Coadjuvante de uma história de mil facetas; por isso sou toda alívio. Compartilho a nobre coragem protagonista de só desejar a própria  felicidade.
E quem ousa atirar a primeira pedra? Que ouse navegar em si; abra passagem nas águas límpidas da verdade. No fundo todos estamos sós, e só em busca do nosso melhor.

Que todas as bocas se fechem para todos os superficiais achismos;
Que a luz seja feita para a escuridão de todas os costumes sem sentido;
Que a paz brote em flores nos corações otimistas e enlaçados em compreensão;
Que a dor seja aliviada, pela pureza de dias melhores que virão;
Que nunca seja tarde para a verdade que nos espreita, quando a paz toca nosso sorriso.

Choro felicidade em gotas de amizade.

Metade de minha alegria, é o seu sorriso.

E quando amanhecer de novo em todos os corações, o dia findará  a escuridão. Há de se respirar um novo ar, em um novo tempo.

As ilusões libertinas, pouco a pouco se despreenderão. Só a verdade liberta, de qualquer peça que o suposto destino prega. Nesta reza, o que realmente vale é a sinceridade do coração. E disto, o seu está cheio, e para sempre livre; para navegar buscando o porto que melhor te abriga e  faz sentido.

Que assim seja.

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Com todo meu amor... palavras para uma pessoa muito especial,  que admiro por sua determinação. Estarei sempre ao seu lado, sendo as palavras que seu coração precisa ouvir, e sendo o apoio impulsionador de sua coragem.