segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Digestão




Marc Chagall
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A gente vai engolindo respostas mal explicadas pela goela abaixo e digerindo a perda pouco mastigada, com lentidão.
Arrota-se vez em quando, o desencontro, a face escura do amor que não se ofertou, a poesia empoeirada pelo esquecimento e a falta de sentido.
Deixa-se de lado, palavras que poderiam construir, gestos capazes de unir  início, meio e  fim, o olhar brilhante que só a verdade e sinceridade podem emitir.
Por muito ou pouco medo, desperdiçamos o mel e nos contentamos com o amargo dos dias pálidos. Deixamos para trás sem hesitar, tanto do muito que poderíamos compartilhar, os sorrisos e frestas repletos de luz.
É mais fácil desistir, deixar ir... do que ficar e convidar para entrar.

Em tempos líquidos, amores líquidos!
 
A verdade é, que pouco ou nada adianta especular; devemos sempre olhar para a frente com o coração sereno e sentir a certeza, de que o melhor virá.

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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Entreaberto




Marc Chagall
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Algo habita entre lapsos e o meu sorriso, entre cansaço e a pressa, entre presenças e ausência.
Entre a ansiedade e serenidade, entre a poesia e a correria, entre tantos prazos e meus passos.
Entre temporal e chuvisco, entre canções e o incerto...
Algo...
Entre.
Entreaberto.
 
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sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Espelho, espelho meu


Nicoleta Ceccoli
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Se sorrio, é porque sinto flores desabrocharem lentamente em meu coração.
Espelho, espelho meu, me diz...  há outro sorriso além do meu?
Medo, medo meu, me diz... consegue ser mais forte do que eu?


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quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Fuga

Nicoleta Ceccoli
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Avistei uma moça correndo na rua, em direção contrária a minha. Estava esbaforida, dona de uma urgência e susto capaz de trazer à tona em meu baú de memórias, uma lembrança em particular.
Curiosa, gritei pela janela do carro:
-Para onde vai, com tanta pressa assim? Posso ajudá-la?

Escutei ao longe sua resposta, pois ela não parou para me responder:

-Corro, porque fujo do amor.


Calei-me. 
O  longo trajeto passou rápido e nostálgico, embebido de reflexões. 
Alguns fogem a pé, outros de transporte público.
Outros corriam do amor, fugindo do inexorável, de carro... como eu.

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sexta-feira, 15 de julho de 2011

Alguém do outro lado da linha, sorri.

Edgar Degas
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Parece que, do dia para a noite, uma muralha de pedras foi erguida dentro de si. Não sabia bem ao certo como foi parar ali.
Talvez, tivesse sido construída lentamente enquanto estava distraída, entre os afazeres e labutas cotidianas, mas de qualquer maneira, achava-a alta e extensa demais para ser finalizada, sem que ela tenha sequer percebido.
Este fato intrigava-a. Como? Quando? Por quê? Enquanto perguntava a si mesma, nervosamente, beliscava um cookie e folheava um livro. Bebericou mais um pouco e sua xícara de chá e arfou levemente ao perceber que estava mais concentrada em seus pensamentos, do que entretida com o livro fundamentalmente importante para seu estudo.

Voltou ao passado... Lembrou de uma parte de si que não mais existia ou havia sido banalmente esquecida. Como espectadora de um filme mudo, enxergou seus feitos heróicos, trágicos, melodramáticos e claro, felizes. Uma felicidade burra, ausente de uma consciência plena e expandida, mas ainda sim, um sentimento vivo em um grau elevado de satisfação. Apesar de tudo, não sentia saudade. Ou se sentiu, deixou escondido e sujeito à poeira, no canto da nostalgia do que não mais fazia sentido.

Foi despindo-se daquelas camadas, feito cobra que vai trocando de pele de tempos em tempos. Tanta lágrima, tanto sofrimento imbecilizado foi lhe arrancando abruptamente os sons, os anseios, os poemas que escrevia nos varais de seus sonhos.
Seus olhos marejaram, diate  desta simples lembrança do que viveu. Ela sabia que, em seu âmago, no meio de toda aquela ventania intempestuosa que a governava e apontava-lhe a total falta de direção, ainda restava toda a pureza e inocência, capaz de lhe conferir toda a beleza de mil luas e o brilho de mil sóis.
Dentro de si, residia o silêncio e anseio de noites estreladas.
Perdida em seus pensamentos, seu corpo vibrou em um leve espasmo, ao ouvir o telefone tocar, arrancando-lhe dos devaneios de outra dimensão, entre passado e presente. Olhou estagnada para o objeto à sua frente; preguiça ou medo de atender? Atendeu.

 -Alô?
Ouviu o som de alguém sorrindo do outro lado da linha.

-Alô? – repetiu, impaciente.

Outro barulho de sorriso.

Irritada, desligou o telefone. A partir daquele instante, o som do barulho do sorriso de alguém que não sabia quem era, ficou reverberando, soando insistentemente dentro de si, caçoando de seu silêncio.
Inconformada com a tamanha invasão que lhe acometeu, ligou a televisão e perseguiu todos os canais em busca de algum refúgio, alguma atração capaz de lhe conferir esquecimento ou alívio. Mas não... O som do sorriso continuava a incomodando e a irritava mais que barulho de giz arranhando a lousa.
Já não sabia o que estava lhe acontecendo, mas estava acontecendo algo! Concluiu temerosa, que não era qualquer coisa, e sim, algo extremamente significativo, irritantemente significativo! Quem era ao telefone e porque sorria? Porque ligou justamente para o seu telefone? O que queria dizer aquele som de boca se abrindo em um sorriso?
Quanto mais pensava, mais mordia os lábios, mais tentava em vão se distrair. E a irritação que a fazia morder os lábios, cresceu. Produziu coceira em seu corpo. Ela começou a se coçar, sem deixar o movimento de apertar os dentes contra os lábios. E a coceira foi aumentando, e junto dela uma inquietação, uma raiva, uma inconformação tamanha, que quando menos percebeu, estava no chão da sala, se esfolando no chão, se arranhando, puxando seus cabelos e girando sobre seu corpo.

O telefone voltou a tocar e finalmente parou com aquele colapso tresloucado. Seus olhos estalados fitavam o aparelho e algo dentro de si, lhe repetia:

-Não atenda, é alguém querendo sorrir para você.

Algo dentro de si desejava atender o telefone, sorrir também e rindo perguntar docemente:

 -Quem está aí? Quem é você, que sorri para mim?

Mas limitou-se a olhar o telefone. Não ousou esboçar mais nenhuma reação. Ficou ali, inerte, sentindo seu corpo no piso gelado, sentindo seus olhos esbugalhados, mas já não conseguia se mexer ou simplesmente não queria se mexer. A sensação que tinha, era que tudo lhe doeria, dos pés a cabeça, se ousasse sair dali.
 Adormeceu muito tempo depois. O cansaço venceu a inércia e ela finalmente, repousou. Transportou-se para o mundo dos sonhos, que seria mais gentil, do que esta realidade vil, transbordando intrusos e caçoando de seus muros.

Dormiu, para nunca mais querer acordar.



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domingo, 5 de junho de 2011

Adormecência

Nicoleta Ceccoli
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Os dias correm...

Escorrem feito grãos de areia por entre os dedos.
Quase não se sente...
Nem o tempo, nem o dia e a noite.
Muito menos, o pulsar.
Onde estará?

Talvez se encontre por entre os corpos cansados sacolejando no ônibus cheio.
Por entre os sorrisos amarelos escondidos sob feições apressadas.
Entre as tantas tarefas que se acumulam junto ao sono, ao canto adormecido, entre o frio que penetra na roupa...

O pulsar encontra-se tímido, tão recolhido que quase não se ouve, quase não se percebe.
Espera um resgate heróico, um brado retumbante, um eco, ou então, uma brisa suave para lhe acordar.



Morrer, não havia morrido.
É como se houvesse adormecido em um sono profundo, quase um hibernar.
Se já não sentia palpitar o peito, boca e a seresta do seu coração sem festa, gentilmente sentiu os olhos desviarem.

Seria o inverno, essa gélida estação a congelar sonhos?
Ou cansaço, a desistência?
Talvez fosse amadurecência, um leve e calmo aquietar.
Aniquilou de talvez em talvez, as antigas indagações, as pulsantes inquietações.
Ali dentro, jazia silêncio...e ainda sim, no breu da falta de respostas, encontrou a paz.

Sorriu em meio ao adormecer da alma.

domingo, 24 de abril de 2011

Quimera

Nicoleta Ceccoli

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Um sorriso nunca deve ser perdido pela quimera de tentar fazer do instante uma flor de primavera.
Ainda sim, valeu... pela beleza das flores que brotaram no desejo de ser feliz.
E o que é a felicidade, senão o praticar do verbo, experienciar?

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Desaguar

               Obra “Água” de Raquel Kogan, Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti
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Nos acostumamos a esconder debaixo do sorriso, feito poeira que se varre para debaixo do tapete, as dores de todos os dias; flores murchas e sem perfume.

Mas há um dia em que as  nuvens encobrem os olhos e a chuva cai em forma de lágrimas. Vez em quando é preciso chover, mesmo nos corações mais fertéis.
Para que a água leve, lave, limpe.

E eu...mestre de disfarces sob belas palavras prontas, no resguardo de meus sonhos infinitos, encontro lá no fundo, a rendição para qualquer trilha não viviva.  Um filme que jamais vira película, apenas sobrevoa a mente de seu cineasta. Sem aplausos, sem bilheteria, sem reproduções em Ddv.

Assisto passiva e impassível esse conjunto de desenhos de cenas irreais. Coleciono desencontros que ficam guardado na caixa do pranto.

Algo me diz para que eu resguarde as tristezas no beco escuro e sem número.

Mas só por hoje, permito-me desaguar.


Amanhã, a lágrima estará em cada pétala feito orvalho do amanhecer... e poderei ver com olhos enxutos o jardim florescer.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Âmago

Van Gogh
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Adormeceu, olhando para o céu e contando estrelas, até cansar. Acreditou por um instante, naquele sereno momento antes de fechar os olhos, que a constelação acima de sua cabeça era maior que todos os seus sonhos.
Foi na profunda viagem ao âmago de seu inconsciente que descobriu: seus sonhos  não só eram maiores que a constelação, mas sim maiores, que todo o universo.

Acordou sorrindo.
O dia estava lindo, à espera da melhor parte que poderia dar de si, para si e para a vida.

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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A vida é assim...começo, meio. Fim.

Van Gogh
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Vez em quando, entre uma e outra sacolejada da vida, deparo-me com uma peneira em minhas mãos.

Crio certa resistência em iniciar o movimento que define sua finalidade, afinal há tantos pedregulhos que se confundem com pepitas de ouro, pois cintilam levemente sobre a água.

Mas meu coração sabe... e por mais que hora ou outra tente se enganar, ele possui as chaves dos portais de todas as indagações. É na lágrima, é no sorriso, é no silêncio que crio, que as respostas vão criando formas. Saltam coloridas, como água que vai pingando no papel mágico e as letras se descortinam aos meus olhos, revelando os novos passos, os caminhos que meus pés irão traçar.

Não se deixe enganar por falsos pergaminhos que aparecem no caminho. As melhores respostas estão na bússola do seu coração.

E já havia tempo que me era apontado outra direção...cega tateei pelo escuro à procura de um feixe de luz, uma solução, o meio termo que permeia a flexibilidade tão necessária para a leveza.

Mas ledo engano de minha parte. Quando o coração dita os rumos, não há o que revidar.

Vez em quando, é necessário. Dói, encontra-se resistência; todo o ato de desvincular-se traz um sentimento incômodo de impermanência.

Mas peneirar é preciso. Hábitos, pensamentos, pessoas, situações, medos e qualquer significado que possa trazer esgotamento ou aquele velho e conhecido comodismo.

Separemos as pedras preciosas de pedregulhos, sem nos esquecer que muitas vezes são estes nos fazem crescer, pois nos engrandecemos com as experiências. Mas, jamais esqueçamos que nossa felicidade é composta da nosso arbítrio e a capacidade de escolher somente o que nos faz cantar de alegria.

E como dar adeus, sem pronunciar a palavra aos quatro cantos? Há despedidas que são silenciosas. São fruto da ausência de gestos e significados. Vivem no abismo da falta de sentido, na repetição banal de hábitos que já não mais se encaixam no todo.

E se não faz mais sentido, jaz aí a morte natural, o adeus e o renascimento de um novo momento.


Se precisa chorar em frente ao túmulo e depositar suas flores, não te lamentes trazendo um epitáfio arrependido.

Sorria.

O sorriso da consciência tranquila de quem viveu intensamente tudo que poderia se viver e algum dia no entardecer, despediu-se silenciosamente.

A vida é assim... começo, meio.

Fim.

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Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.


Fernando Pessoa